Índia 68

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-Gostando da Índia, Paul?

George Harrison aproximou-se do amigo que estava sentado na escadaria do seu bangalô com um violão na mão. Trazia-lhe uma mensagem.

-Ei, George! Até agora sim. O pessoal já se organizou pro jantar?

-Estão chegando devagar. Vai custar até todos se desacostumarem do cotidiano inglês, principalmente o Ringo.

-Oh, coitado. Já fiquei sabendo que a comida não anda caindo bem pra ele...

-Apimentada demais para o pequeno mancebo.

McCartney riu da forma que Harrison havia falado. Numa breve pausa ele se sentou ao lado do amigo.

-Entre composições e comida indiana, trago uma mensagem do senhor Lennon.

-Mensagem? Agora ele tá te fazendo de pombo correio aqui?

-Não sei. –Deu de ombros. –Só sei que ele estava meio estranho.

-Estranho?

-Sim. Estava apreensivo, mas também parecia contente. Como quem estivesse esperando pra contar alguma coisa legal.

-E qual é a mensagem?

-A mensagem é que ele pediu pra que você fosse ao bangalô dele antes do jantar. Não me passou detalhes.

-Bem... Mensagem recebida com sucesso, meu caro. Vou adiantar seja lá o que for com ele.

-Ótimo. –Levantou-se devagar. –Vejo vocês mais tarde. Até mais. –Saiu.

-Até.

Empunhando seu violão, McCartney saiu em direção ao bangalô do companheiro. No meio do caminho avistou que algumas tantas pessoas já estavam muito bem acomodadas no refeitório do Ashram. Em pouco tempo todos estariam juntos para aproveitar o jantar. Acenou de longe.

Sem muita demora McCartney bateu na porta. Lennon prontamente abriu com um sorriso no rosto.

-Isso é um sorriso de "Consertei as coisas com a Cynthia?"

-Ah, não corta meu barato. Entra.

McCartney bem sabia que no último ano tudo estava bem tenso entre os Lennon. Discussões pelas coisas mais banais do mundo eram constantes. Pensou que com a ideia de Harrison de todos irem fazer um retiro espiritual na Índia iria ajudar o então abalado casamento. Meses antes, quando Maharishi Mahesh Yogi organizava uma palestra no País de Gales, todos embarcaram no trem para Bangor, deixando Cynthia para trás; Lennon, sem razão, repreendeu a esposa pelo "atraso." Todo aquele clima veio complicar ainda mais com a notícia da morte de Epstein.

-Então, o que o senhor deseja? –McCartney deu um sorrisinho, adentrando e deixando seu violão apoiado na cama.

-Não poderia ter começado com pergunta melhor! –Disse animado. –Bem, estive pensando nos últimos meses, que a gente podia, sei lá, fazer com que as coisas fossem mais legais.

-Como assim? –Sentou-se numa poltrona próxima, olhando um pouco confuso para o amigo.

-É! Que tudo fosse mais aberto e livre, entende? Ir pra um outro nível.

-A gente já está em outro nível, John. Olha só aonde a gente chegou. –Sorriu divertido.

Lennon um pouco apreensivo, teve que ser mais direto. Ajoelhou-se aos pés dele e o olhou com uma felicidade imensa.

-Paul, a gente pode parar de se esconder agora... –O sorriso de McCartney se esvaneceu rapidamente, dando espaço para uma expressão não muito amistosa.

-O que você quer dizer com isso?

-Que podemos mostrar pra todo mundo o que a gente sente! Sem precisar disfarçar, sem precisar dar desculpas, sem precisar negar o óbvio. Não seria incrível?

-Não! Definitivamente não! –Levantou-se da poltrona indignado. –De onde você tirou essa ideia? Isso é impossível!

Lennon ficou atordoado com aquela reação. Ainda de joelhos virou o corpo para fitá-lo. A voz lhe saiu fraca.

-Não é impossível, Paul. Tudo ficaria em ordem. Eu sairia de um casamento fracassado, você deixaria esse teatro ridículo com a Jane, seríamos eu e você lá fora, fazendo valer a mensagem das nossas músicas. É simples.

-Isso não é simples e muito menos plausível de acontecer! –Disse ríspido em voz baixa. –Você não vê que essa ideiazinha pode causar o caos?

-Que caos?

-John, o mundo não tá preparado pra isso! O mundo não vai conseguir digerir tal coisa!

-Podemos mudar o mundo, assim como já mudamos várias vezes! –Levantou-se, indo em direção a ele. –Ou apenas não se importar com ele.

-Não funciona assim! Não funciona assim, droga! –Passou as mãos pelo rosto. –O que você tem na cabeça, John? –Perguntou aflito.

-Que a gente podia fazer acontecer, que podíamos ser um exemplo para as pessoas que têm medo e só querem ser felizes... –A esperança que carregava no rosto já se convertia em desapontamento. Com os olhos marejados, ele mirava para o companheiro com certa angústia.

-Não, não! –Exclamou mais paciente aproximando-se dele. –Estamos fazendo um ótimo trabalho do jeito que estamos fazendo. Estamos indo muito bem. Não precisamos mudar as coisas assim. Eu sei do que eu estou falando, é seguro pra todo mundo, John!

Resignado, Lennon já havia entendido o bastante.

-Ah, sim... Ok... –Balançou a cabeça falsamente conformado. -Eu esqueci que tudo o que você faz é pro bem de todo mundo. –Disse apático.

-Ficaremos juntos, sempre, isso não vai mudar. Você não precisa se preocupar com mais ninguém. –Puxou-o para um abraço que não foi correspondido. –Vamos continuar assim, ok?

-Ok... –Afastaram-se.

-Você vai ficar bem?

-Acho que sim. –Dirigiu-se até a porta, abrindo-a. –Te vejo daqui a pouco. Vou tomar banho. –Coçou a nuca.

-Por favor, diga que vai ficar tudo bem. –Disse apreensivo.

-Até mais, Paul. –Fitou o chão.

Sem mais palavras, McCartney pegou seu violão e olhou preocupado para o companheiro antes de atravessar a porta. Era um até já, mas o peso daquela despedida específica seria o divisor de águas. Ele não fazia ideia de que seria o começo do fim.

Vendo-o ir embora, Lennon fechou a porta com as lágrimas rolando em seu rosto. Ajoelhou-se ao pé da cama e afundou a cabeça nos travesseiros para abafar os gritos de tristeza e mágoa. Do pensamento de que eles nunca seriam aquilo que um dia sonhava em ser, da dor do coração partido em milhões de pedaços, da esperança fadada ao esquecimento.

Tudo foi diferente depois da Índia.

PARIS 61 - MclennonOnde histórias criam vida. Descubra agora