invidia

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Apple Corps Ltd. Algum momento em 1968

Uma atmosfera hostil estava se formando na sala de reuniões da empresa Apple. Dois amantes discutiam seus papéis na vida um do outro. Parecia ser o momento derradeiro de algo que estava há muito tempo guardado e drasticamente não resolvido.

Minutos antes a banda estava toda reunida à mesa junto a algumas outras pessoas da produção. John Lennon havia executado uma fita onde estava fazendo sexo com o seu mais novo caso, Yoko Ono. Gemidos, risadas e respirações pesadas foram ouvidas, provocando um misto de reações.

Logo após breves considerações, todos saíram, deixando a dupla de compositores sozinha na sala, uma vez que só McCartney teimou em ficar lá.

-É inacreditável. –Um McCartney incrédulo ia de um lado a outro da mesa. –Absolutamente inacreditável isso que você tá fazendo com a Cynthia. E ainda se prestando a esse papel. –Disse referindo-se à gravação.

-Eu decidi me separar porque não estava mais dando certo. Na verdade nunca veio a dar certo. Eu que não vou ficar carregando nas costas um casamento que desde o início já era fadado ao fracasso. Olha a circunstância que isso se deu: eu me casei porque ela estava grávida! Me casei pra abafar um escândalo!

-A separação é o de menos aqui. Você sabe muito bem o que fez.

-E daí? Ela me encontrou chapado de cocaína na cozinha de casa ao lado de uma mulher desconhecida. E daí? Você nunca nem se importou. Vai querer dar uma de bom samaritano agora?

-Desconhecida? Nem um pouco! Cynthia e eu sabemos muito bem que essa Yoko já vinha atrás de você há um bom tempo. Não se faça de idiota! E eu me importo com esse casamento, ouviu? Desde o começo eu fico tentando apaziguar as coisas entre vocês! Consertando as merdas que você faz! Porque parece que você tira um tempo todo dia pra fazer algum inferno!

-Foda-se! Eu não preciso da sua ajuda. Você só faz o que faz pra me manter no lugar, um lugar esse que te deixa cômodo, que te deixa livre de preocupações. Mas escuta só: eu não vou mais ser seu bichinho de estimação. –Aproximou-se dele. –Você não vai mais brincar comigo, tá entendendo?

-Mas que história é essa? –Indagou estarrecido. –Desde quando eu brinco com você?

-Então por que caralhos você disse um monte de coisa pra mim durante esses anos todos e simplesmente me desconsidera?! –Vociferou. –Não foi uma vez ou outra, foram muitas! Volta e meia você aparecia com alguma vadia no quarto...

-Ei, mais respeito! –Interrompeu no mesmo tom.

-E cala a boca que eu ainda to falando! –Apontou-lhe o dedo quase no meio da cara. Claramente Lennon estava machucado e queria pôr as coisas pra fora de maneira definitiva. –Volta e meia você aparecia com alguma vadia no quarto, e nem faz muito tempo você estava de casinho com aquela Maggie McG-sei-lá-oquê! Agora brota do nada uma garota americana! Eu já escutei tanto, mas tanto, que eu realmente não sei mais o que pensar de você!

-Eu sou o único filho da puta da história, é isso? Pra mim você que é especialista em fazer brotar as coisas do nada. Como diabos você coloca uma perseguidora dentro da sua casa pra ela fazer papel de sua nova mulher?

-Não te interessa!

-Então a minha vida também não te interessa, inferno!

-Eu me pergunto agora se a banda ficou junta esse tempo todo simplesmente pra você alimentar esse ego desgraçado! –Fez uma expressão de desprezo. –Viu os potes de ouro no fim do arco-íris e quis pegar tudo. Mas acho que entendo... –Debochou. –É difícil alguém resistir a isso vindo de onde você veio.

-Lava a boca pra falar qualquer coisa da minha vida!

Possesso, McCartney deu um empurrão em Lennon, fazendo-o cair no chão. Este, por sua vez, levantou-se rapidamente em fúria e avançou sobre o mais novo, dando-lhe um soco no nariz.

-Eu vou quebrar esse seu rostinho bonito e vai ser hoje! Não vai sobrar nada pras revistas fotografarem... –Lennon agarrou o amigo pelo colarinho. O sangue corria-lhe pelas narinas. –OUVIU? –Deferiu-lhe outro soco, dessa vez no rosto. Ele caiu de joelhos.

-Eu vou te matar! –Disse McCartney trincando os dentes, olhando para o amigo vingativo. Em um impulso avançou-lhe sobre suas pernas, fazendo-o ir novamente ao chão. De pronto ficou por cima dele, agarrando-lhe o pescoço e dando-lhe um soco na boca.

-SAI DE CIMA DE MIM! –Gritou Lennon tentando se desvencilhar. –SEU PEDAÇO DE MERDA!

-O pedaço de merda que escolheu levar essa banda pra frente, DESOBEDECENDO AO MEU PAI, seu imbecil! EU TE ESCOLHI!

-Você... Devia ter ficado com ele naquela pocilga! –Disse com dificuldade, segurando o punho de McCartney. –Não devia ter saído de lá!

-Eu abri mão de muita coisa POR VOCÊ! Entendeu? POR VO-CÊ! –As lágrimas vieram em um grito, e a força que empenhava não permaneceu a mesma. Lennon pôde jogá-lo para o lado, sentando-se para recuperar o fôlego ao cuspir um pouco de sangue.

-Merda nenhuma! Você não tinha nada!

-Você foi meu amigo!... –McCartney ergueu-se com dificuldade. –A pessoa que eu jurei que ficaria comigo até o final. Agora eu vejo que to sozinho... –Limpou o sangue do nariz, mostrando a ele o líquido em seus dedos.

-Eu te dei o mundo, McCartney! –Bateu com a mão fechada no chão. A raiva nos olhos de Lennon seguia acesa como uma imensa fogueira, e nem as lágrimas que brotavam de seus olhos foram suficientes pra apagá-la. –E tudo o que eu queria como recompensa você me negou dia após dia, me enganando com palavras bonitas. E agora que eu achei alguém que me entende e que me dá o que eu preciso, você usa como um motivo pra tentar me atingir, com esse romancezinho que estampa as capas das revistas.

-Você seguiu em frente, não é? Pois bem, eu também tive e tenho o DIREITO DE FAZER O MESMO, JOHN! –Bradou com a voz embargada.

-Quanto tempo vai durar esse teatro, hein? Um mês? Dois?

-Eu vou me casar com ela. –Disse seguro, mas Lennon gargalhou forçadamente com a resposta.

-Casar? Jura? Desde quando um predador sexual como você pensa em casamento? Isso chega a ser patético.

-Diferente de você eu quero ter uma família, e uma vida com ela. Você fugiu de todas as responsabilidades pra no final fazer uma birra gigantesca, se iludindo, pensando em começar do zero! VOCÊ FOI A MERDA DE UM COVARDE! Coisa que eu nunca vou ser!

-Nunca vai ser um covarde? VOCÊ SEMPRE FOI UM COVARDE! HÁ OITO ANOS VOCÊ IA DEIXAR TUDO PRA IR EMBORA COMIGO! E O QUE ACONTECEU? DEU PRA TRÁS, COMO COVARDES FAZEM!

-Eu fiz o que eu tinha que fazer! Meu Deus, como as coisas funcionam na sua cabeça, John? –Perguntou incrédulo. –Você pensa que podemos sair de mãos dadas por aí como se a cada esquina fôssemos ovacionados a cada aceno? Isso são os anos 60!!! Olha essa porcaria toda lá fora! Para de se iludir!

-Durante esse tempo todo você caçou alguém pra que te fizesse companhia numa vida de casinha de bonecas, como uma seleção de Miss Universo. Uma mulher que fosse dócil e domável, pronta pra viver a vida perfeita que você sempre imaginou querer. E eu que estou me iludindo? VOCÊ NÃO PODE FUGIR DE SI MESMO, SEU BABACA! VOCÊ É O QUE EU VEJO E O QUE NINGUÉM MAIS VÊ!

-Porque você é tudo o que eu tenho!

-Tinha. –Levantou-se do chão. –E sabe pra quê isso aqui? –Apontou para a máquina de fita em cima da mesa. –É pra você saber onde eu e ela estamos agora... Eu não preciso mais segurar a sua mão.

Aquelas últimas palavras terminaram de afogar McCartney em um mar de desolação. O coração doía mais do que os socos que havia levado. Se lhe tivessem quebrado todos os ossos ainda não haveria comparação para a dor que estava sentindo naquele momento.

Lennon limpou o resto de sangue da boca e saiu da sala batendo a porta fortemente.

Do lado de dentro McCartney chorava sozinho, afogado em memórias e pensando na incerteza da vida que seria a partir daquele momento.

PARIS 61 - MclennonOnde histórias criam vida. Descubra agora