apocalypsis

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[capítulo referente ao pesadelo]

O relógio cuco anunciava o meio do dia.

Cansado, levantou da cama de um quarto que não reconhecia. Tudo revirado, como se tivesse acontecido uma briga. Quadros dependurados na parede, manchas de sangue na porta. O espelho da cômoda estava quebrado e refletia sua imagem em fragmentos. Olhou ao redor e estranhou a luz vermelha que tomava conta do ambiente. Tratou de sair de lá.

No corredor tentou procurar por alguém, mas a única coisa que viu foi mais e mais bagunça: cadeiras, mesas, bandejas, tudo pelo chão. Mas o que aconteceu aqui?

Escutou um blues tocando bem ao lado do seu quarto. Isso é Skip James? Poderia reconhecer Hard Time Killing Floor de longe, uma canção cantada nos tempos da grande depressão. Tempos de caos na terra.

"Tempos difíceis aqui e aonde quer que você vá, tempos mais duros do que já foram alguma vez..."

Seguiu a música. Abriu a porta do quarto e levou um susto ao olhar pra dentro.

-John?

Lennon estava escorado na parede bem ao lado da janela. Tragava um cigarro pacientemente, e quando viu o companheiro, sorriu complacente.

-Você veio.

Antes que pudesse ir até ele, notou algo estranho em cima da cama. Parecia um casal, bem acomodados um ao lado do outro. Estavam cobertos por um lençol branco.

-O que tá acontecendo?

-Nada, só o fim do mundo.

-O QUE? –Perguntou espantado.

Sem perceber, Lennon deixou um pouco das cinzas do cigarro caírem no chão.

-Que romântico pensar que Paris foi nosso início e agora será nosso fim. –Olhou pela janela.

-O que está dizendo? Onde estão os rapazes?

-Partiram.

-Mas para onde...

Num instante sentiu seu corpo inteiro tensionar. Lembrou do casal coberto. Sua boca entreaberta não conseguia dizer nada.

-Não se preocupe. –Disse John numa calma inabalável. –Eles foram em paz e disseram que vão sentir muitas saudades... Onde quer que estejam.

Um tremor veio a tomar-lhe conta das pernas, mas teve força o suficiente para ir até a cama e descobrir os corpos que estavam deitados paralelamente. Foi impossível segurar as lágrimas. Tapou a boca com as mãos e fechou os olhos. Viu rapidamente George e Ringo naquele sono pacífico e eterno dos quais seus semblantes sem vida revelavam. Filetes de sangue não muito recente cruzavam suas faces.

-Como... Isso aconteceu, John? –Indagou numa voz embargada

-Apenas acontece, Paul. Aconteceu com eles, com todos, e acontecerá com nós...

-Não pode ser! –Passou as mãos pela cabeça. –Isso é impossível!

-Morrer não é impossível. Isso iria acontecer cedo ou tarde com todos nós. Já devia saber disso.

-Não é assim! –Exclamou num desespero. –As coisas não funcionam assim!

-E quem disse que não? Você? Desde quando sabe como a vida funciona? Ou melhor, a morte?

- Tudo tem uma explicação, John!

-Tem?

McCartney viu-se desorientado. Pareceu que não sabia de mais nada. Tantas perguntas, nenhuma resposta. Arrastou os pés caminhando até a janela. Avistou Paris em um vermelho vivo. Olhou depois para o companheiro ao seu lado; por um momento não o reconheceu.

PARIS 61 - MclennonOnde histórias criam vida. Descubra agora