memoria

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Terceiro dia da turnê americana em 1964. Fim de mais um grande show. Vida e histeria sentidas tão de perto que mal havia palavras que as explicassem. Tudo era inovador e espetacular, um novo e incrível mundo onde os quatro garotos de Liverpool fizeram sua estreia e gravaram seus nomes na história.

Suas músicas ecoavam pelos continentes. Celebravam agora uma recém-chegada era de dinamismo e novidades para os maravilhosos e mágicos anos de 1960.

Depois de um percurso árduo até dentro do hotel que estavam hospedados, todos passaram um tempo reunidos para beber e conversar um pouco sobre os acontecimentos daquela noite. Queriam se deixar cansar um pouco mais para poderem ir dormir. Até o momento estavam felizes e elétricos, prontos para fazerem mais três ou quatro shows daqueles. O mundo de repente pareceu ser o paraíso.

O primeiro a deixar o grupo foi Epstein. Já se sentia desgastado demais para perder mais algumas horas de sono trocando conversas aleatórias. A turnê ainda seria muito desgastante, precisava poupar forças. Depois, Ringo partiu para sua suíte, deixando os três amigos encerrarem as atividades.

Harrison decidiu que já estava na hora de todos irem: mais tempo para descansar antes do próximo show. Dormir o dia inteiro não era uma opção. Relutantes, John e Paul deixaram suas garrafas de Coca-Cola e whisky na mesa e partiram os três para suas respectivas suítes.

-Boa noite, princesas. –Riu George antes de entrar em sua suíte. –Não acordem os vizinhos de baixo.

-Boa noite, lady. –Disseram em uníssono, cambaleando pelo corredor.

-Nós... –Continuou Lennon. –Somos... Rainhas!

-Cala a boca, John! –Exclamou McCartney rindo do jeito que estavam andando até chegar à sua suíte.

Já dentro dela, Lennon tratou logo de tirar seus sapatos. Queria ajudar um pouco as suas costas doloridas. Jogou um sapato para debaixo da cômoda e o outro, por algum motivo, cruzou a cama e foi parar em uma poltrona perto da janela. Paul estava acompanhando tudo pelo espelho a sua frente enquanto tirava sua gravata e desabotoava sua camisa.

John, com uma expressão de cansaço, sentou-se na beira da cama e afogou o rosto nas palmas das mãos. Mas, logo se deixou desabar ali, com roupa e tudo. Sentiu um alívio imediato e então fechou os olhos, esticando os braços com um sorriso. Alguns segundos depois, Lennon sentiu uma batidinha em seu joelho esquerdo. Era McCartney, prostrado na sua frente, sorrindo tenramente.

-Quer uma ajuda? –Perguntou Paul.

-Com o que? –Retrucou meio confuso.

-Com isso... –E apontou para as roupas.

-Ah, não, sem problemas, eu...

Antes que pudesse terminar a frase, Paul foi em direção ao cinto da calça de John e o puxou. Desabotoou a peça e foi tirando-a com cuidado. As meias de John continuaram nos pés. Algo gracioso de se contemplar: vê-lo de cueca e meias. Nunca passou pela sua cabeça que ele podia ficar ainda mais perfeito. Enganou-se.

Nesse meio tempo Lennon desabotoava sua camisa branca. Não queria dar mais trabalho e fez questão de facilitar tudo. Ainda pensou nas meias, mas pela expressão que fez Paul, resolveu deixá-las. Pôs-se sentado novamente enquanto retirava a camisa e mirava um tanto suplicante para o companheiro a sua frente, que permanecia de calças e camisa com os botões abertos. Sentiu aqueles dedos tocando seu rosto e fechou os olhos novamente. Deixou-se levar pelo toque delicado que amava sentir nas raras oportunidades que conseguia tê-lo.

Ainda entre as pernas de Lennon, McCartney quis admirar aquele rosto mais uma vez. Tantos anos desde que se conheceram e nunca, em nenhum momento, cansou de apreciá-lo. No começo só podia vê-lo, com certa distância, esboçando o mais lindo sorriso que já vira na vida. Mas, com o desenrolar de tantos eventos, de escutar tantas confissões, de revelar ser fiel e leal em qualquer momento, agora vivia o sonho de poder tocá-lo e explorá-lo minuciosamente. Tinha a certeza em suas veias de que iria cuidar do bem mais precioso que tinha, e que estava entregue a sua frente.

-John? –Chamo-o baixinho.

-Hm?

-Um sorriso, sim? –Pediu carinhosamente.

Instantaneamente, ainda com seus olhos fechados, sentindo o perfume inebriante de seu amado, Lennon deu seu sorriso mais lindo. O maior de todos, aquele que Paul sabia que era apenas dele. O sorriso que iluminava os seus dias, que sentia vontade de beijar todas às vezes, e que dava-lhe a certeza da boa vida que teria. E assim o fez. Inclinou-se lentamente até encostar seus lábios nos lábios sorridentes de John. Depositava pequenos beijos enquanto fazia sua boca percorrer a dele de um canto a outro.

John não entendia o efeito que seu beijo fazia em Paul, mas apreciava o resultado. Só ele dava os melhores beijos, as melhores carícias, as mais bonitas palavras de amor. Lembrou-se de Paris em 1961. Deus, como queria aquilo de volta... Mas... Por que não?

-Eu preciso de você... –Disse Lennon parando os beijinhos e mirando um pouco receoso para o companheiro.

-E você terá, meu bem... –Completou indo de encontro a outro beijo.

-Como em Paris.

Não poderia ter escutado as mais belas palavras. Estampou no rosto um sorriso largo de felicidade e uma espécie de orgulho que não cabia no peito. As lembranças surgiram frescas. Era tudo o que queria. Foi tudo o que teve, e teria novamente naquele momento. Seu desejo é uma ordem que faço questão de cumprir infinitas vezes.

Afastando-se de John, McCartney jogou sua camisa e calças no chão. Caminhou até o outro lado da cama e ali subiu de joelhos. Lennon prontamente virou-se para ele e os dois deitaram um olhando para o outro, juntos, de mãos dadas; pernas entrelaçadas e narizes próximos. Só se podia ouvir suas respirações e sentir os batimentos dos corações um do outro, em sincronia. Sorriram cúmplices. E sussurrando, proclamaram palavras de amor:

-Je t'aimerai toujours, mon amour¹...

-Je t'aimerai à la vie et à la mort².

Um brinde aos dias mais belos.



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¹ Eu sempre amarei você, meu amor.
² Eu amarei você da vida até a morte.

PARIS 61 - MclennonOnde histórias criam vida. Descubra agora