furia

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Uma notícia muito importante estava prestes a ser revelada em uma sala reservada nos estúdios Abbey Road. Muita gente responsável pelo desenvolvimento do novo álbum dos Beatles estava presente com suas roupas coloridas, copos de uísque, cigarros e barbas, muitas barbas. O mês de fevereiro estava a um dia do fim e as gravações das novas músicas só estavam começando. Era comemorar mais um projeto titânico.

O fabuloso quarteto de Liverpool estava espojado em um grande sofá no meio da sala, rodeados de adoradores. Sorrisos e flashes por todo lugar. Mais parecia um templo pós-moderno, dedicado somente a eles que estavam justamente onde deuses ficariam: no topo do mundo. As gargalhadas vibrantes unidas a um falatório geral, que tomava proporções cada vez maiores naquela pequena sala, cessaram quando se ouviu um grito no meio da multidão:

-PAUL VAI SE CASAR, PESSOAL!

A reação foi barulhenta e unânime: copos de uísque acima de todas as cabeças acompanhados de grande alarido. Uma dezena de pessoas foi ao encontro de McCartney para dar-lhe os parabéns. Apertos de mão, tapinhas no ombro e sorrisos contagiantes. Ele, que estava com um dos pés suspenso na mesinha em frente ao sofá, recebeu todas as congratulações um pouco sem jeito, afinal, não esperava que aquilo fosse anunciado daquela maneira, muito menos naquele momento. Pôde apenas se reservar a alguns sorrisos e palavras educadas, inclusive de seus companheiros de banda, que receberam a notícia com entusiasmo, exceto por Lennon que mesmo demonstrando certa felicidade, pareceu um pouco perdido.

O dia corria excepcionalmente bem para Lennon, até aquele derradeiro momento. Ficou atordoado não só com a notícia como pelo fato de McCartney não ter lhe contado absolutamente nada nas últimas semanas. O que aconteceu? Quis desaparecer dali mas com certeza não pareceria a atitude de alguém que estava feliz pelo próprio amigo e companheiro de banda. Reservou-se a sorrisos forçados e muitos goles de uísque. Esperaria um tempo pra fazer algo a respeito. Precisavam conversar.

Aquela reunião fraterna perdurou por mais ou menos uma hora e meia até Lennon se levantar do sofá, subir na mesinha de madeira e gritar para todos animosamente:

-OK, PESSOAL, A FESTA ACABOU! NÓS VAMOS ENSAIAR UM POUCO AGORA E PRECISAMOS DE SOSSEGO! SAIAM TODOS E OBRIGADO!

Todos ficaram sem entender a reação repentina dele, inclusive os amigos, mas riram e seguiram suas conversas desarmônicas ao tilintar de copos. Lennon por sua vez, descontente com tal indiferença, bradou com raiva uma palavra de ordem expressa:

-AGORA!!

Dessa vez todos puderam sentir que o cantor não estava com bons humores que acreditavam que estivesse. Saíram em silêncio pela porta dupla da sala, um tanto desorientados, deixando apenas a banda. O trio que o acompanhava estava sério e surpreso, com certo olhar de reprovação para ele, que apenas passou a mão pela boca e coçou a nuca.

-George, Ringo... Podem nos dar licença um instante? –Perguntou apontando para McCartney, já descendo da mesinha.

Sem maiores objeções, e entendendo o que se passava, ambos deixaram seus copos na mesinha e se levantaram, indo em direção à porta. Lennon virou as costas para todos. Ringo saiu de cabeça baixa e George mirou McCartney com certa preocupação. O amigo apenas balançou a cabeça demonstrando que tudo ficaria bem.

Com as portas fechadas, o silêncio pairou por alguns instantes. De mãos na cintura, virando-se para McCartney, soltou um riso debochado.

-Casamento, é?

-Sim, John, casamento. –Disse seguro, olhando para uma poltrona a sua frente.

Incrédulo, Lennon quis jogar a mesinha a sua frente para o alto, mas apenas pôde avançar em direção ao companheiro e agarrar-lhe com força pelo colarinho, num misto de raiva e tristeza. As palavras saíram meio embargadas, quase num sussurro:

PARIS 61 - MclennonOnde histórias criam vida. Descubra agora