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-Você se lembra do nosso primeiro beijo?

Foi com essa pergunta que John Lennon quebrou o silêncio daquela tarde de domingo no jardim de sua casa em Kenwood, St. George' Hill. Ele estava imerso em seus pensamentos na sua espreguiçadeira macia, tentando buscar palavras para sua mais nova canção. McCartney estava ao seu lado, sentado na grama, dedilhando um violão.

-Hm? –Reagiu McCartney um pouco surpreso. –Nosso primeiro beijo?

-Sim. Aquele em 58...

-Claro que lembro, sim. Me espanta você ter lembrado o ano.

-Você não se lembrava? –Franziu o cenho com a resposta.

-Na verdade eu que pensei que você não se lembrava. –Disse segurando um riso.

Lennon jogou em McCartney um pequeno bloco de notas e resmungou algumas palavras que mais serviram para fazer graça. Mas logo se voltaram um para o outro, pensativos. E trocando olhares tímidos logo se deixaram levar pelas lembranças de outrora. O tempo não era sutil quando se tratava de saudade. Eram dias mais simples, onde a liberdade estava a um passo da porta de casa. Fantasias, lágrimas, desejos, alegrias, todo tipo de sentimentos nos meses que se seguiram depois que se conheceram. Dois mundos virados ao avesso onde perceberam juntos que esse era o lado certo de ficar.

-Já se vão uns nove anos, Paul. –Suspirou nostálgico, recostando-se novamente na espreguiçadeira. –Mas eu me lembro de tudo muito claramente.

-É difícil esquecer de momentos dos quais nos causam um turbilhão de sentimentos.

-Bem, quanto a você, certamente sim. –Riu baixinho.

-Até porque você espera seu melhor amigo lhe beijando dentro do seu quarto e com seu pai bem no corredor, não é mesmo? –Ironizou comicamente.

Enquanto se deliciava em ver McCartney com seus maneirismos, tentando fazer ainda mais graça daquela situação, Lennon se reservou a pensar sorridente naquele março de 1958. Mais um fim de tarde na casa dos McCartneys. Há quantas semanas já não seguiam tocando e ensaiando algumas músicas no quarto de Paul? Os dois jovens liverpooldianos escutavam rock 'n roll no rádio, sentados no chão e escorados na cama, enquanto tentavam acompanhar as respectivas notas das músicas; isso em meio a uma brincadeira ou outra para desfadigar.

-Elvis Presley é o cara. Queria ser como ele. –Disse um Lennon de ar sonhador.

-Pra quê ser um Elvis se já existe o Elvis?

-Idiota. –Disse cínico. –Você entendeu.

-Esquece o Elvis, John. Bem, não totalmente porque a gente precisa ensaiar com algumas músicas dele, mas, se concentra na banda e no que a gente pode fazer. Vamos criar um som legal, ok?

-Ok... –Concordou relutante com tom meio dramático.

-Agora, vamos só aquecer com Jailhouse Rock. De acordo?

Lennon concordou com a cabeça, pegando de volta o violão que havia deixado ao seu lado. Não fazia questão de treinar, cantar ou compor qualquer coisa com McCartney. Cada momento com ele se tornava prazeroso a cada dia que passava. Não sabia explicar o porquê era tão bom estar com ele. Desde aquele dia na igreja ele não ganhou apenas um amigo, mas um parceiro pra uma vida inteira. Contava para tia Mimi sobre seu novo amigo e de como tinham coisas em comum! Falava dele até pra sua mãe, que sorria maravilhada com todo aquele encanto pelo jovem McCartney.

Definitivamente Lennon havia encontrado alguém que fosse seu porto seguro, pra falar sobre seus medos, seus sonhos, suas conquistas e angústias. Nem dentro da própria família conseguiu sentir tamanha segurança. E ele apenas se agarrou a isso, com todas as forças. Então, até os amigos que tinha foi também deixando de lado; a convivência era mínima. Só procurava por uma pessoa, e ela não fazia questão alguma de estar sempre à disposição.

PARIS 61 - MclennonOnde histórias criam vida. Descubra agora