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Quarta-feira, 17h20, 2025
― Eu posso brincar com aquele bichinho? ― apontei para o coelhinho de pelúcia que estava sentado em uma poltrona cor de rosa em cima de uma prateleira.
― Claro! ― exclamou tia Justine, que estava sentada em sua poltrona macia.
Aquilo é veludo? Perguntei à Julian.
É sim. Ele respondeu, e eu pisquei algumas vezes.
― Está conversando com alguém? ― ela perguntou, sempre muito gentil, enquanto voltava a se sentar em sua poltrona de veludo. Quando ela tinha se levantado?
De repente o coelhinho estava sentado na minha frente, com um aparelho de chá de plástico, como aqueles que eu tenho no meu quarto. Ela tinha pegado tudo aquilo? Sorri em sua direção, pegando o bule branco e lilás e colocando um pouco de chá em uma xícara do mesmo jogo. Claro que eu sabia que não tinha nada ali, mas era legal fingir que estava em uma festa do chá com meus amigos. Eu nunca tive muitos.
― Quem está aí com você? ― ela perguntou, enquanto eu colocava uma xícara que eu acabara de servir a sua frente, na mesinha de centro. ― Ah, muito obrigada, posso saber que chá é esse?
― Morango. ― respondi, vagamente, colocando um pouco de açúcar na xícara do coelhinho. Coelhinhos gostam muito de açúcar, sabiam? ― Quer açúcar?
― Claro, mas só uma colherzinha. ― respondeu a mulher com os cabelos ondulados e castanhos. Coloquei uma colher de açúcar em sua xícara, entregando-a para que ela pudesse misturar ela mesma o seu próprio chá. Quando a olhei, com os seus óculos grandes e levemente quadrados, eu tombei a cabeça para o lado, intrigada. ― O que foi?
― Seus óculos se parecem com os que eu estava usando quando eu cheguei aqui. ― ela arregalou os olhos, parecendo surpresa, colocando a mão que estava livre na armação vermelha.
― Mesmo? ― a tia colocou a xícara na mesinha e tirou os óculos, entregando-os a mim. ― Quer experimentar?
Eu assenti, sentindo meu corpo vibrar com a animação que eu sentia, e ouvi a risada suave de Julian em minha cabeça. Franzi o cenho e semicerrei os olhos, ignorando sua risada para colocar os óculos que a tia tinha me emprestado. E tomei um susto!
― Tá tudo embaçado! ― exclamei, subindo os óculos e descendo novamente, e Justine riu suavemente com a minha animação. ― O seu grau é muito forte pra mim. ― concluí, tirando os óculos e entregando-os à dona.
― Por que você não está usando os seus? ― ela perguntou, colocando os óculos novamente e pegando sua xícara.
Ela se ajeitou, sentada no tapete felpudo em que eu estava sentada, com as pernas cruzadas, como um indiozinho, e eu simplesmente dei de ombros, fingindo colocar a xícara de chá de faz de conta na boca, bebendo o líquido de faz de conta com açúcar de faz de conta. Ela repetiu o meu movimento, e eu a observei por alguns instantes.
― Você não vai perguntar por que eu estou aqui, ao invés de um dos grandes, ou do meu irmão? ― perguntei, depois do que pareceram alguns minutos.
― Você quer que eu pergunte sobre o que fez você trocar de lugar com um dos grandes?
― Eu não sei se quero falar sobre isso. ― respondi, em um tom mais baixo, sem olhar para ela, sentindo lágrimas encherem os meus olhos.
― Então não precisamos falar sobre isso. ― eu a olhei, e vi seu sorriso gentil, enquanto esticava uma caixa de lenços de papel para que eu pudesse secar minhas lágrimas. ― Sobre o que você quer falar?
Você acha que eu posso confiar nela?
Ela é nossa terapeuta, Col.
Eu posso contar pra ela coisas que eu não quero dizer nem pra você?
Julian respirou profundamente, e eu pude sentir ele assentir, a pesar de poder sentir que ele estava se sentindo extremamente contrariado. E eu entendia que ele se sentisse assim, e que sentisse raiva de mim também, porque eu não consigo contar essas coisas pra ele, mas...
Engoli o seco, olhando para a alça lilás da xícara de plástico.
― Colline?
― Eu quero te contar uma coisa. ― levantei o olhar, vendo-a colocar a xícara de plástico sobre o pires branco em cima da mesa. Ela assentiu suavemente e eu mordi o lábio. ― Um homem malvado apareceu quando a gente estava subindo para o seu consultório. ― ela piscou algumas vezes, assentindo novamente, como se me incentivasse a falar, e mais lágrimas subiram aos meus olhos. Senti a mão de Julian em meu ombro. ― Nós estávamos entrando no prédio...
A única explicação que eu quero dar é que, vocês devem ter percebido que a Colline é a identidade de uma criança de seis anos controlando o corpo de uma adulta, então, mesmo que na aparência superficial ela não se pareça com uma criança, ela deve ser tratada como uma, e foi assim que eu desenvolvi esse capítulo da terapia.
Além disso, devemos ter uma consideração ainda maior com as crianças de sistemas, porque elas são tão vulneráveis quanto as crianças que se parecem crianças e, pior que isso, por causa do fato de que elas não se parecem com crianças, não conseguem ter muitos amigos de sua própria idade fora do sistema, o que as torna um tanto quanto deprimidas e inseguras quando estão no controle do corpo. E devemos ter ainda mais cuidado com essas crianças (porque elas são crianças), principalmente, como a Colline, porque elas são derivadas de traumas severos que aconteceram, às vezes, durante a idade em que ficaram "congeladas".
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TDI - Transtorno Dissociativo de Identidade
RandomVocê já esteve em uma situação tão traumática, tão traumática, que não tinha capacidade de aguentar a carga emocional ou física que ela te dava? Uma situação tão ruim, tão ruim, que você achou que não iria sobreviver? Agora, imagine como seria fugir...