— Então Jorge nos trouxe para a terapia. — terminei de falar, apertando minhas mãos e olhando para meus dedos sobre os meus joelhos.
— Jorge é o outro companheiro de vocês, certo? — Justine perguntou, anotando alguma coisa em seu tablet com a caneta. — Estou curiosa, Jorge e Charlie eram um casal antes de conhecerem vocês, certo? — eu franzi o cenho e assenti. — E vocês conheceram Charlie primeiro? — eu assenti novamente.
— Na verdade, Olívia se tornou amiga delu, e Lorraine se interessou por elu depois. — mordi o lábio inferior, sorrindo brevemente. — Foi o nosso primeiro relacionamento depois de Joshua e... Bom... — suspirei. — No início, eu aparecia muito, porque nós não conhecíamos, então... Eu estive muito presente. Com o passar do tempo, todos nós conhecemos Charlie, e mais de uma vez elu nos protegeu de Joshua, então... Acho que Daniel começou a confiar nelu, então pudemos abrir o jogo. Eu acho.
— Então você aparecia muito pra Charlie, certo? — disse Justine, e eu assenti. — E Jorge?
— Quando Jorge chegou, a primeira vez que eu apareci, foi quando o encontramos no shopping... — eu ri baixo, meneando a cabeça — Acho que a gente passou na frente de uma loja de lingerie, e tinha uma lingerie tão... Nossa, aquela lingerie era maravilhosa. Sério, você tinha que ver. — ela sorriu, ajeitando os óculos — Quando eu vi, eu estava com um sorvete na mão, olhando para a lingerie. Charlie foi incrível. Ele já estava por perto quando eu assumi o comando, perguntando se ainda era a Olívia, ou outra pessoa tinha assumido. — sorri de lado, lembrando-me do dia com certa nostalgia. E eu pude sentir, quase como se estivesse vendo, Banguela revirar os olhos. Ri baixinho.
— O que foi agora? — perguntou a terapeuta, sorrindo junto comigo.
— Banguela não gosta de lembrar dessas coisas. Ele fica com vergonha. — ri suavemente e meneei a cabeça.
Justine sorriu por alguns instantes e olhou para seu tablet novamente, antes de se voltar para mim.
— Você percebeu a diferença? — franzi o cenho — Quando vocês estavam com Joshua, você era quem lidava com ele na maior parte do tempo. Com Charlie, depois que perceberam que ele era alguém em quem podiam confiar, você passou a aparecer menos para elu. — ela sorriu — Você está no sistema para proteger o corpo e o próprio sistema, mas você não é só isso. Você é mais. Só precisa descobrir isso. — ela mordeu o lábio inferior por alguns segundos antes de se levantar. — Vamos, vou te acompanhar até a porta, tudo bem?
— A sessão acabou? — perguntei, levantando-me um pouco confusa.
— Acabou. — ela riu, enquanto me acompanhava até a porta do consultório.
Pisquei algumas vezes e me virei para abraçá-la. Justine demorou alguns segundos para absorver o ato inesperado, mas respondeu ao abraço.
— Alguém veio buscar você. — sussurrou em meu ouvido, antes de se afastar e me virar para a figura que havia entrado na sala de espera de seu consultório.
Jorge olhou para mim surpreso por alguns instantes e eu franzi o cenho.
O que ele está fazendo aqui?
Não faço a menor ideia.
— Está tudo bem com o restaurante? — perguntei.
— Claro, claro. Vamos? — ele estendeu a mão, pegando a minha e eu ergui uma sobrancelha.
Tem alguma coisa errada.
Franzi o cenho, sentindo sua mão grande em minhas costas, deixando Banguela alerta a qualquer movimentação estranha. Olhei em volta, procurando qualquer perigo, mas ainda estávamos dentro do prédio, não havia muitos perigos à nossa volta.
— Jorge? — perguntei, quando paramos na frente das portas metálicas do elevador.
Eu me virei em sua direção, desvencilhando-me discretamente — talvez não tão discretamente assim — da sua mão em minhas costas. Ele me olhou, seus lábios formando uma linha reta e preocupação estampando seus olhos castanhos amendoados. Isso me deixou apreensiva o suficiente para deixar Banguela ainda mais alerta.
— Está tudo bem. — disse o homem, quando as portas do elevador se abriram, e dois homens apareceram em minha visão.
E foi instantâneo.
De novo não...
Fechei os olhos, sentindo minha cabeça doer e o enjoo incômodo. Sentia vagamente a mão de Jorge em minhas costas, enquanto eu lutava para permanecer no controle do corpo.
Filho da puta!
Tudo escureceu e eu não sabia o que estava acontecendo.
Colline sempre foi um espaço delicado para mim, ela nunca deixava eu me aproximar demais, mas eu sempre conseguia sentir o que ela estava sentindo: o coração acelerado pelo pânico, o medo e a dor, tão parecida com a minha. Sentia o abraço de Banguela em volta do meu corpo enquanto eu me encolhia no Headspace, as lembranças atingindo-me como um soco.
— Filho da puta! — gritou Julian, tentando tomar o controle de Colline.
— Julian! — Loki gritou, dando um tapa no ombro do adolescente.
— Parem vocês dois! — eu gritei, severamente, e os dois me encararam.
Devolvi o olhar severamente, antes de fechar os olhos novamente. Aquela gritaria não estava me ajudando em nada, e nem Colline. E tudo continuava escuro na sala de comando.
Demorou algum tempo até que Julian assumisse o comando e empurrasse Jorge, que nos abraçava — o que provavelmente ajudou bastante Colline se acalmar, mas Julian parecia extremamente irritado com o fato de Jorge ter deixado isso acontecer, mesmo que não tivesse sido sua culpa.
Julian, não!
— Calma! — disse Jorge, em um tom mais baixo do que o grito que eu dei na sala de comando. — Eu não sabia que isso ia acontecer, eu juro!
— E como diabos você estava aqui? Na hora certa? Uma coincidência? Você não podia ter falado? — Julian continuava alterado, a raiva fluindo, ainda por causa de tudo o que tinha acontecido durante o dia, o que piorava ainda mais a dor de cabeça que estávamos sentindo.
— Eu o vi subindo o elevador quando eu estava saindo, por isso eu fiquei aqui, porque eu sabia o que poderia acontecer se vocês o vissem! — Jorge tentava explicar, ainda aos sussurros. — Por favor, vamos conversar no carro. Por favor?
Julian, por favor, não é hora, nem lugar para brigar. Por favor.
— Tá, mas nós vamos pela escada. — Julian disse, severamente, e eu respirei aliviada.
— Como quiser. — Jorge respondeu, guiando-nos pelo caminho escuro da escada.
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TDI - Transtorno Dissociativo de Identidade
RandomVocê já esteve em uma situação tão traumática, tão traumática, que não tinha capacidade de aguentar a carga emocional ou física que ela te dava? Uma situação tão ruim, tão ruim, que você achou que não iria sobreviver? Agora, imagine como seria fugir...