Parte 1 - Nádia

48 3 0
                                    


Dezembro 1998

Era véspera de Natal. A mãe, o pai e eu tínhamos sido convidados pela minha madrinha Raquel para jantar lá em casa. A Raquel era sobrinha do meu pai, uma jovem adulta de vinte e seis anos que sonhava com um futuro grandioso. Ela era luz, alegria, transmitia boas energias a toda a gente e tinha um sorriso que conquistava qualquer um.

- Olá! Sejam muito bem-vindos! Entrem, estejam à vontade! - cumprimentou -nos ela, mal abriu a porta.

A casa tinha uma decoração muito discreta, mas ao mesmo tempo muito requintada, em tons pastel. Depois de passarmos ao hall de entrada e ao corredor central, entrámos na divisão que dava mais destaque e vida à casa. A cozinha era aberta para a sala, por isso todos os aromas se difundiam pela atmosfera acolhedora característica da época. Ao fundo da divisão, encontrava-se a árvore de Natal que estava repleta de embrulhos coloridos! Era tradição na minha família fazer a troca dos presentes à meia-noite. Estava uma noite muito agradável e feliz, até que...

- Bem, antes de mais, queria agradecer a todos por terem vindo... - começou a Raquel – Eu queria aproveitar a ocasião para vos fazer uma revelação... estou grávida!

Depois disso, toda a gente se levantou para dar os parabéns à Raquel, menos o meu pai.

- Eu e a Amélia também estamos a tentar... - declarou o meu pai, olhando muito fixamente para todos aqueles que estavam de pé - Eu e a Amélia vamos dar um irmão à Nádia e ele vai poder brincar com o teu filho! Não vai ser maravilhoso!?

- António, não... - tentou defender-se a minha mãe, já com lágrimas nos olhos.

- Cala-te, Amélia! - dito isto, o meu pai levantou-se da cadeira, abraçou a Raquel e saiu, batendo com a porta e dizendo - Nós vamos conseguir!

Depois disso, o ambiente mudou completamente e instalou-se um silêncio de cortar a respiração. Quando chegou a altura, eu abri os presentes à pressa e a minha mãe arrastou-me para casa, onde o meu pai já nos esperava. Ele abraçou-me, sorriu para mim e mandou-me para o meu quarto dizendo que iria ter comigo mais tarde para eu lhe mostrar os presentes.

Mas eu não fiquei no meu quarto durante muito tempo, a minha curiosidade não deixou. Dirigi-me à porta da cozinha e fiquei à espreita, rezando para não ser descoberta. Do outro lado, a minha mãe chorava ao abraçar o meu pai.

- António, tu ouviste aquilo que os médicos disseram... Eu não consigo... – ele não a deixou acabar de falar e empurrou-a, fazendo-a cair no chão.

- És uma inútil! Cabra! - enquanto falava, pontapeava-a.

O meu pai não era aquela pessoa... Os seus olhos estavam vermelhos, furiosos e refletiam uma mágoa profunda.

Nos dez minutos que se seguiram, continuei a ouvir os gritos e os pontapés do meu pai e o choro da minha mãe. Já no meu quarto, escondi-me debaixo da cama à espera que esse inferno acabasse e a suplicar para que o meu pai não me fizesse o mesmo. Algum tempo depois, ouvi a porta de casa fechar-se e fui a correr ao encontro da minha mãe. Ela estava deitada no chão da cozinha e parecia que estava a dormir.

- Mamã...?

- Nádia, meu amor, vem cá... - pediu, baixinho. Aproximei-me e reparei que a sua cara estava cheia de hematomas e sangue seco.

- Mamã... - toquei-lhe ao de leve no rosto e as suas lágrimas começaram a escorrer pela face.

- Não te preocupes, meu amor, são só uns arranhões, se me ajudares, eu vou ficar bem... Vai ficar tudo bem.

RecomeçarOnde histórias criam vida. Descubra agora