Setembro 2012
Estou a trabalhar no bar do Xavier há precisamente duas semanas. Acho que me posso considerar um sortudo porque o Xavier elogiou o meu trabalho logo ao primeiro dia. De certa forma, também ficou admirado por um rapaz rebelde, como eu, gostar de ler e se interessar por literatura.
- Mas sabes, eu acredito que haja uma razão pela qual vieste aqui parar, só não sei qual. - disse-me ele, um dia.
Ele é daqueles que acredita no destino e eu sou dos que não sabem no que acreditar. Aliás, acho que acredito na minha intuição, e isso já é qualquer coisa.
O trabalho aqui no bar não é muito pesado. Tenho trabalhado das nove da manhã às quatro da tarde. Geralmente, nesse horário, só costumamos vender águas, cafés, cervejas, refrigerantes e sidras. Os cocktails e as restantes bebidas alcoólicas só ficam disponíveis a partir das nove da noite, altura em que o bar ganha mais adesão. Existe muito mais confusão nesse turno e, por isso, o Xavier quer esperar mais um tempo até me colocar lá. Outro pormenor acerca do local onde trabalho é o facto de ser exclusivo para maiores de idade. Acho que se consegue perceber porquê. Ao todo, somos onze pessoas a trabalhar. Três trabalham no primeiro turno, o meu. Outras três no segundo turno. E cinco no turno da noite, de forma a conseguirem colocar as coisas em ordem. Também contamos com a presença do Xavier durante o dia, que nos ajuda a orientar as tarefas. É claro que o nosso trabalho não é só servir bebidas e cafés, também há trabalho de armazém para fazer.
Os meus colegas da manhã são gente porreira. O Alexandre tem vinte anos e a Jéssica vinte e um. Ainda passou muito pouco tempo, por isso ainda me estou a ambientar e a tentar perceber em quem posso confiar. Quero tentar perceber se faço bem em confiar neles, sobretudo na Jéssica. É uma mulher bastante atraente e intimidante, areia demais para o meu camião. Todos os dias me fulmina com o olhar e eu não sei como me hei de sentir, se ameaçado ou encantado. O Xavier diz que, se algum dia tivermos algum tipo de relação, que não vai durar muito tempo. A Jéssica é muito intensa e eu sou muito desapegado. Mas veremos. Por enquanto, não existe interesse nenhum da minha parte, mas vamos ver o que o futuro me reserva.
Tenho também falado diariamente com a Íris, a Isabel e o Henrique. Ela está a tornar-se uma mulher! Tenho muitas saudades dela e gostava de conseguir ser o irmão mais velho que ela merece, mas estando longe, é difícil.
- Mano! É só para te avisar que os meus pais estão a pensar em ir visitar-te no próximo mês! Tenho tanta coisa para te contar! - disse ela, da última vez que falámos.
- Mas vocês não podem vir tão cedo! Eu ainda não encontrei casa! Estou a viver num hotel! - respondi-lhe.
- Então e qual é que é o problema? Ficamos num hotel também!
- Princesa, isso não é assim tão simples. Hotéis são caros! Mas sabes, pelo menos, se os teus pais já compraram os bilhetes? Eu preciso de saber para orientar a minha vida!
- Não sei - ela estava a mentir e eu conseguia sentir, mesmo à distância.
- Muito bem, então fala com os teus pais e diz-lhes que eu preciso de saber, pode ser assim?
- Sim, chefe! - ela tinha alguma carta na manga.
- Está tudo bem, Íris? – provoquei.
- Sim, tudo ótimo, maninho! Mas vá, agora tenho de ir, depois falamos, beijinhos! - e desligou sem me deixar despedir. Definitivamente, passava-se alguma coisa e eu só queria saber qual era o mistério.
Setembro 2012
A minha reserva no hotel estava a terminar, por isso eu tinha duas hipóteses: ou voltava a reservar o quarto e gastava, mais uma vez, uma pequena fortuna; ou começava a pensar em procurar uma casa, ou um T0 pelo menos. Implorei à rececionista para me deixar ficar mais duas noites e ela cedeu, por isso tinha de começar a pôr mãos à obra. Quando acabei o meu turno, perguntei ao Xavier se ele sabia de alguma casa para arrendar, que não precisava de ser muito grande.
- Agora, assim de repente, lembro-me de três casas.... São de colegas meus, de confiança, pode ser que tenhas sorte e encontres alguma de que gostes. Queres que te leve lá para dares uma vista de olhos?
- Se não de importares... – respondi.
- Ora, não me importo nada! Fica aqui o Daniel a orientar as coisas. Deixa-me só ligar aos meus colegas para ver se estão disponíveis.
O primeiro apartamento era no centro de Londres. Era simples e acolhedor, mas não tinha nada a ver comigo e com a minha definição de "casa". Com educação, agradeci, mas não consegui aceitar a oferta porque ficava demasiado longe do meu trabalho e não compensava o dinheiro e o tempo que eu ia gastar em transportes. O segundo apartamento estava situado num prédio antigo e a cair aos bocados. Se escolhesse aquele lugar, teria de ganhar coragem para subir e descer quatro lanços de escadas todos os dias. Paciência e vontade de fazer exercício não são o meu forte. O último apartamento foi uma luz ao fundo do túnel. Ficava num prédio a pouco mais de um quarteirão de distância do bar, por isso eu podia ir a pé para o trabalho. A casa ficava no rés-do-chão, o que me agradava ainda mais. A sala e a cozinha estavam ligadas e a divisão tornava-se um pouco mais pequena. O meu quarto era o espaço maior da casa e, para além da cama, da mesa-de-cabeceira e do roupeiro, tinha também uma secretária de madeira e uma estante vertical onde eu podia pôr os meus livros. A casa de banho também era simples. Uma sanita, um bidé, um lavatório e uma cabine de duche.
- Então, Marco, o que achaste? É a última hipótese que te dou, depois tens de procurar sozinho.... - disse o Xavier.
- E eu vou aceitar! Vou ficar com este apartamento! Obrigado pela tua disponibilidade em vires comigo aqui!
- Não precisas de agradecer! Sabes que estou à tua disposição, só não abuses da sorte e tem juízo!
- Não te vou desiludir!
- Então podemos tratar da papelada? - interveio o proprietário.
- Claro - respondi eu.
- Pretende comprar ou arrendar?
- Arrendar.
- Tens a certeza, Marco? É mais seguro comprares... - sussurrou o Xavier ao meu ouvido.
- Eu não tenho dinheiro suficiente para comprar.... Prefiro jogar pelo seguro.... - ele fez que sim com a cabeça, como que a dizer-me que compreendia a minha decisão, mas que eu ia arrepender-me mais tarde. - Quando é que me posso mudar?
- Quando quiseres! Já pagaste a primeira renda e a chave já é tua, por isso fica à vontade!
- Muito obrigado!
Depois de eles saírem, eu fiquei a contemplar aquele espaço. Casa. Aquilo era a minha casa. O meu lugar. Eu, que nunca senti a minha casa como tal, agora posso finalmente dizer que tenho um lugar só meu, que pertenço a algum lado! Antes de ir para o hotel buscar as minhas malas, liguei à Íris:
- Olá! - disse ela, mal atendeu.
- Olá, maninha! Como estás? Tenho uma novidade!
- Encontraste...!?
- Encontrei casa, sim!
- Oh.... Encontraste casa! Que maravilha! - senti um pouco de desilusão e falta de entusiasmo por mim na sua voz.
- É não é!? Passa-se alguma coisa? Há alguma coisa que me queiras dizer?
- Não, não.... Está tudo bem! Vou dar a boa notícia aos meus pais! E na próxima chamada que fizermos, espero já te conseguir dizer o dia ao certo em que te vamos visitar!
- Fico à espera!
Ficámos a falar por mais uns minutos e ela contou-me todas as novidades sobre a escola. Depois eu desliguei, saí de casa e preparei-me para sair e ir ao hotel buscar o resto das minhas coisas. Na porta do prédio, encontrei alguém que me era muito familiar!
- Jéssica?
- Marco?
- O que fazes aqui?
- Isso pergunto eu...
- Bem, eu vim ver o meu novo apartamento, parece que a partir de hoje moro cá!
- Que giro! Eu também moro aqui!
- A sério?
- Sim! Que engraçado! Vamos ser vizinhos! - piscou-me o olho e eu fiquei todo babado a olhar para ela enquanto se afastava.
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Recomeçar
RomantizmNádia tinha treze anos quando viu o seu pai assassinar a sua mãe. A violência doméstica durava há demasiado tempo naquela casa, e a morte de Amélia foi o culminar daquela vida e daquela família. Marco tinha catorze anos quando testemunhou a detenç...