Dezembro 2007
Passaram-se três meses. Em três meses, muda e acontece muita coisa, e eu sou a prova disso. Em três meses, já estive em cinco instituições diferentes e já causei muitas dores de cabeça a muita gente. Sou conhecido como sendo "o miúdo que tinha os pais drogados" e é precisamente isso que me irrita mais! As pessoas adoram colocar rótulos nas outras! Mas, na verdade, eu não sou, nunca fui, nem nunca serei, reflexo dos meus pais. Se me tornei rebelde e revoltado, foi porque a minha vida me tornou assim. Mas ninguém parece entender isso.
Passaram-se três meses e nunca mais soube nada do meu irmão. Não sei como está, nem onde está. Todos os dias pergunto, na instituição, se alguém sabe alguma coisa do seu paradeiro, mas nunca recebo nenhuma resposta. Também não sei nada dos meus pais, mas desses nem me preocupo em saber, pois tiveram o que mereceram e espero que fiquem atrás das grades durante muito mais tempo. O único que me interessa é o Miguel e vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para o encontrar.
Poucos dias antes do Natal, fui chamado ao gabinete da diretora. Na verdade, até fiquei bastante surpreendido. Ninguém era chamado ao gabinete da diretora, a não ser que tivesse feito alguma asneira. Eu tinha entrado naquela instituição no início de dezembro e ainda não tinha provocado nenhum problema, por isso, não fazia ideia do que se podia tratar. Antes de entrar no gabinete, bati à porta.
- Entre – ordenou ela, a senhora diretora, como gostava de ser chamada.
- Mandou chamar-me? - perguntei eu, ao entrar.
Do outro lado, uma senhora sorridente, com cabelo preto cortado à tigela e grandes óculos vermelhos graduados, esperava por mim. O seu gabinete estava preenchido com móveis e estantes de madeira escura e antiga, ao estilo medieval.
- Como te chamas? - perguntou ela – Tenho tantos assuntos para tratar que às vezes chega a ser impossível lembrar-me de tudo.
- Marco. Chamo-me Marco Figueiredo. - Depois de ouvir a minha resposta ficou pensativa.
- Marco! Ah, já sei! - Depois de rabiscar e ler alguns papéis, foi direta ao assunto. - É o seguinte, conseguimos uma família de acolhimento para ti.
- O quê!? Está a falar a sério?
- Sim, sim, querido! Vais mudar-te para a casa nova, depois do Ano Novo!
- Mas assim? Tão rápido?
- Fiquei tão surpreendida como tu, querido. Mas sim, conseguimos encontrar uma nova família para ti. O casal que te vai acolher será o teu tutor legal até atingires a maioridade. Aconselho a que te portes bem, senão voltas para aqui e nós não queremos isso. Alguma dúvida?
- Não... - eu não estava a acreditar.
- Eu entendo que seja muita coisa para assimilar assim tão de repente. Mas vai dar uma volta pela floresta, querido, tenta pôr as ideias em ordem.
- Sim... Sim... Obrigada!
- Ora essa! Mas vai lá, vai lá. Mais tarde, volto a chamar-te para conversarmos sobre os detalhes.
Saí do gabinete, perplexo e cheio de perguntas. Nunca pensei que me seria atribuída uma família de acolhimento tão depressa! Nunca pensei que alguém estivesse disposto a dar-me uma segunda oportunidade. Nunca pensei em começar uma nova vida sem o meu irmão.
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Recomeçar
RomanceNádia tinha treze anos quando viu o seu pai assassinar a sua mãe. A violência doméstica durava há demasiado tempo naquela casa, e a morte de Amélia foi o culminar daquela vida e daquela família. Marco tinha catorze anos quando testemunhou a detenç...