Parte 1 - Marco

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Fevereiro 2011

Chegou o dia em que finalmente completo dezoito anos! Acordo feliz, mas sou imediatamente invadido por uma sensação de tristeza inexplicável. Era suposto eu celebrar a minha maioridade na companhia dos meus pais e do meu irmão, não numa casa e numa família que não é a minha. A única coisa que vale a pena no meio disto tudo é a Íris.

- Parabéns, maninho! - diz ela ao entrar pelo meu quarto adentro, sem bater à porta. Sobe para a minha cama e abraça-me.

Nunca um abraço me soube tão bem! É tão bom saber que ela me considera um irmão, é tão bom saber que tenho o seu amor! - Vem, levanta o rabo da cama! Tens uma surpresa lá em baixo.

- Sabes bem que eu não gosto de surpresas.

- Ah, mas desta garanto-te que vais gostar!

- Bem, vamos lá ver! - levanto-me da cama e sigo-a.

- Fecha os olhos e dá-me a mão. - ordena ela.

- Íris, já não estou a gostar disto... - dou-lhe a mão e deixo que ela me acompanhe. Quando sinto que chegámos à sala, pergunto:

- Já posso abrir?

- Sim! - diz ela, empolgada.

Eu abro os olhos devagar e fico encantado com o que vejo.

- Um telescópio!? Para mim!?

- Ora, havia de ser para quem? Não és tu que gostas de ver as estrelas?

- Sim, mas.... Como é que conseguiram!? Deve ter sido bastante caro! Eu não...

- Não te preocupes com o dinheiro! - intervém a Isabel – Gostas?

- Eu... Eu não gosto! Eu adoro! - digo eu finalmente e, pela primeira vez em anos, abraço-a e digo – Obrigada! - e depois de desfazer o abraço, revelo algo que pretendo fazer hoje – Hoje, quero ir visitar os meus pais. Depois de almoço, podem levar-me lá? - noto que ficam surpreendidos com a minha revelação, porque eu nunca tinha falado no assunto antes.

- Marco.... Tens a certeza? - pergunta o Henrique.

- Sim, quero encerrar o capítulo do meu passado de vez. Quero partir para Inglaterra, quando acabar o secundário, em paz.

- Inglaterra? - pergunta a Isabel – Nunca tinhas falado nisso.... E acho que temos de discutir em conjunto, não achas?

- Não, não acho. Não acho, até porque, tecnicamente, a partir de hoje vocês deixam de ter responsabilidades comigo, não é verdade? - eles não responderam – Bem me parecia. E, como sabem, eu ainda não fiz exame de condução, por isso não consigo ir sozinho, a não ser que chame um Uber.

- Não te preocupes, querido, nós levamos-te lá, se é esse o teu desejo - diz a Isabel.

- É sim, obrigado.


Fevereiro 2011

Tal como prometido, depois do almoço, eles levaram-me a ver os meus pais. Nunca estive tão nervoso e inquieto.... Pela primeira vez em quatro anos, vou rever os meus progenitores. Vou esfregar-lhes na cara a realidade, o homem no qual me consegui tornar sem a sua ajuda. Vou recordar-lhes tudo o que eles perderam e vou dizer-lhes que desconheço o paradeiro o Miguel e que a culpa é toda deles.

Depois de me dirigir à receção e dizer quem quero ver, sou encaminhado para a sala de visitas e aguardo que alguém os traga. Por momentos arrependo-me de estar aqui, mas será por pouco tempo. Algum tempo depois, vejo os meus pais virem ao meu encontro, acompanhados por um guarda que diz:

- Só têm dez minutos. É tempo suficiente, penso eu.

Depois do guarda de afastar, ficamos os três em silêncio, apenas à procura de algum reconhecimento. O meu pai não mudou muito. Continuava o homem robusto, confiante e ligeiramente intimidante que era. Noto que tem mais cabelos brancos e deixou crescer a barba. O seu olhar revela sofrimento e tem olheiras que são o reflexo das noites sem dormir que a prisão provoca. Sinto falta dos seus abraços, dos seus conselhos e brincadeiras... A minha mãe emagreceu bastante e, por isso, a sua pele está enrugada e malcuidada. Tenho a certeza de que ainda consome.... Tenho a certeza de que não vai parar e vai definhar aos poucos dentro das paredes frias da sua cela. Mas eu com ela não me preocupo, está a deitar-se na cama que fez, preocupo-me mais com o coitado do meu pai. Depois de alguns momentos em silêncio, a minha mãe pergunta:

- Tu és o Marco ou o Miguel? Estás tão crescido!

- Sou o Marco.

- Ah.... E o Miguel? Porque não o trouxeste?

- Porque não sei dele.

Ao ouvir isto, o meu pai muda de reação:

- Como assim, não sabes dele?

- Não sei dele, porque o levaram para longe de mim. Não sei dele desde o dia em que vocês foram presos.

- E porque não o procuraste!? - pergunta o meu pai.

- Vocês acham que eu não o procuro? Que não me custa? Eu ainda não o encontrei, mas vou fazê-lo e, quando isso acontecer, vocês vão ser as últimas pessoas a saber!

- Filho...

- Não se atrevam a chamar-me de filho! Se me amassem como tal, não tinham feito a merda que fizeram! Mas sabem que mais!? Eu já não quero saber! Esta é a primeira e última vez que aqui venho! Vou-me embora! Vou sair de Portugal e começar uma nova vida! E peço-vos que, quando saírem, não me procurem! Para mim, vocês morreram! Não valem nada!

Levanto-me e preparo-me para sair daquele sítio, quando o meu pai me agarra no braço e diz:

- Parabéns, filho, estás um homem! Quero que saibas que lamento imenso por tudo! Espero que tenhas muito sucesso na vida e que consigas encontrar o Miguel! 

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