Agosto 2012
Quase a aterrar em terras da rainha, comecei a chorar. Era um choro de felicidade, mas não parecia porque eu comecei a tremer. A rapariga que estava ao meu lado no avião também era portuguesa e assustou-se ao ver o meu estado.
- Estás bem? Precisas de alguma coisa? - perguntou ela.
- Não... - respondi - Só estou nervosa, porque isto é o realizar de um sonho!
- Também já passei por isso. Tens de pensar positivo! Vai correr tudo bem!
- Obrigada! – agradeci.
Depois disso, saí do avião e fui à procura das minhas malas. Trouxe pouca bagagem porque a Raquel insistiu em visitar-me mais tarde e trazer o resto das minhas coisas. Saí do aeroporto e fiquei impressionada com a quantidade de confusão que as pessoas, atarefadas, provocavam e com a imensidão dos edifícios que rasgavam o horizonte. A muito custo, consegui enfiar-me dentro de um táxi e disse ao motorista para onde queria ir. Ele reparou que eu nunca tinha estado em Londres antes, porque eu não parava de olhar pela janela, impressionada com todos os detalhes.
Depois daquilo que pareceu uma eternidade, cheguei ao meu prédio. Era um edifício antigo cuja fachada tinha sido restaurada, mas o interior era velho e gasto. Não tinha elevador, por isso tive de subir quatro andares de escadas. Quando parei à frente da porta B, hesitei. Será que a Raquel me comprou um apartamento velho e a cair aos bocados? Não, ela não seria capaz de fazer isso! Lentamente, coloquei a chave na fechadura e rodei-a. A porta abriu-se com facilidade e mostrou um hall de entrada. Descalcei os sapatos e deixei as malas na entrada. Fui entrando e descobri uma sala aberta para a cozinha. Ao fundo da sala havia um pequeno corredor que dava para os quartos e para a casa de banho. Tinha tudo a ver comigo! A decoração e a disposição das coisas nas diferentes divisões... Como conseguiu a Raquel fazer isto tudo à distância!? Fui buscar as malas e deixei-as naquele que escolhi como meu quarto. Decidi fazer apenas um chá e depois fui deitar-me. Foi um dia de emoções muito fortes e eu precisava urgentemente de descansar.
Ainda não pensei no que fazer amanhã, mas gostava muito de visitar o London Eye.
Agosto 2012
Acordei com o sol a invadir o meu quarto através das persianas. Ainda era relativamente cedo, mas eu queria aproveitar o dia, então levantei-me, fui tomar um banho e preparei umas panquecas para o pequeno-almoço. Fiquei surpreendida quando, ontem, vi que a minha despensa estava cheia. Depois de comer, vesti-me. Optei por uma t-shirt branca, um casaco de malha azul-bebé e uma saia de ganga. Calcei umas sandálias de corda, as minhas favoritas, e preparei-me para sair de casa quando a Raquel ligou.
- Bom dia, querida!
- Bom dia!
- Então, como estás hoje? Gostaste do apartamento!?
- Estou bem! Gostei imenso, obrigada! Tem tudo a ver comigo! Só é pena é o prédio ser antigo...
- Pois, acredito, mas gostas da tua casa e isso é que importa! Que planos tens para hoje?
- Hoje, quero muito andar no London Eye e visitar mais pontos históricos de Londres e arredores. Vou tirar o dia para mim, sabes? Amanhã é que começo a procurar trabalho e depois também quero ver se visito o Xavier para lhe agradecer...
- Fazes muito bem, querida! Aproveita! Eu agora tenho de ir, mas depois falamos! Beijinhos! Tem um bom dia!
- Obrigada! Beijinhos!
Depois de ela desligar a chamada, saí de casa e chamei um táxi. A viagem ainda foi longa, por isso fiquei maravilhada enquanto via as paisagens. Desta vez, o motorista era um senhor de cabelo grisalho, talvez com sessenta anos. Pelo que pude reparar, gostava de música clássica e de ir abaixo do limite de velocidade, mas eu não me importei.
- Veio fazer turismo? - perguntou ele, com um sotaque britânico maravilhoso.
- Mais ou menos... Vim mais à procura de um lugar onde possa recomeçar a minha vida.
- Vejo que também tem um passado complicado - arregalei os olhos, mas ele continuou – eu já vivi muita coisa e já conheci muitas pessoas diferentes, bastou-me olhá-la nos olhos para perceber que era especial. Se me permite um conselho, não tenha medo de arriscar, viva e deixe o passado no seu lugar!
As palavras deste sábio e simpático senhor ficaram gravadas na minha memória. O motorista deixou-me a uns metros do local onde se situava o London Eye e eu fiz o resto do caminho a pé. Quando cheguei ao meu destino, fiquei impressionada com a dimensão daquela roda gigante! Era mesmo gigante! Para surpresa minha, a fila estava pequena e a maior parte das cabinas estava livre. Implorei ao segurança que me deixasse ir sozinha e ele cedeu.
Paguei a quantia que me pediram e entrei naquela maravilhosa cabina de vidro. Fiquei de pé, a observar a realidade do outro lado do vidro, e senti-me segura e realizada. A roda começou a mover-se quando alguém atrás de mim perguntou:
- Eu tenho a impressão de que te conheço de algum lado!
Agosto 2012
Ele devia ter mais ou menos a minha idade, era português também e estava ali de pé à minha frente.
- Desculpa? - disse eu, que não me lembro de o ter visto antes.
Trazia vestido umas calças de ganga, uma sweat e uns ténis pretos. Mais básico é impossível...
- Eu disse que acho que te conheço de algum lado - repetiu ele a olhar fixamente para mim.
- E eu acho que estás enganado, nunca te vi na vida.
Olhar para a cara dele estava a deixar-me nervosa, por isso voltei a concentrar--me naquilo que via para além do vidro. Ele andou uns passos até se colocar ao meu lado e ficar de pé, tal como eu, a admirar a paisagem.
Por uns momentos, o tempo parou e eu esqueci-me de que tinha um desconhecido ao meu lado. A vista era de cortar a respiração. O meu coração estava inquieto, ansioso e nostálgico. O sorriso era evidente no meu rosto e eu estava tão, mas tão feliz.
- Continuo a achar que te conheço de algum lado. O teu sorriso e a tua cara não me são estranhos - voltou ele a insistir.
- Desculpa, mas não insistas, eu já disse que estás enganado- voltei eu a dizer.
Estava a começar a ficar desconfortável e inquieta com a sua presença. Nunca gostei de conviver com estranhos nem de cair nas suas conversas. Percebi que ficou desanimado e suspirou, enfiando as mãos nos bolsos.
O resto da viagem foi feita em silêncio. Eu não me sentei e fiquei de pé o tempo todo. Estava totalmente hipnotizada com aquela vista. Quando chegámos a terra, ele olhou para mim antes de sair e disse:
- Tenho a certeza de que nos vamos cruzar mais vezes. Ah, e já agora, o meu nome é Marco.
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Recomeçar
RomanceNádia tinha treze anos quando viu o seu pai assassinar a sua mãe. A violência doméstica durava há demasiado tempo naquela casa, e a morte de Amélia foi o culminar daquela vida e daquela família. Marco tinha catorze anos quando testemunhou a detenç...