Maio 2013
Muitas pessoas acham que é um escândalo ter quase vinte anos e ser virgem, em todos os sentidos, mas eu não vejo qual é o problema. A minha vida foi demasiado agitada para eu sequer ter tempo para pensar no assunto. Nunca gostei de ninguém nem senti atração, nem mesmo pelo meu melhor amigo, mas agora aconteceu. Foi preciso eu sair de Portugal para me apaixonar perdidamente por um rapaz de olhos azuis e cabelo desarrumado. O Marco foi uma surpresa do destino. Tenho tentado disfarçar, mas é quase impossível. O meu coração bate de uma forma inexplicável quando o vejo e parece que a minha barriga é invadida por milhares de borboletas. A vida é capaz de nos surpreender quando menos esperamos. Nunca pensei que uma pessoa, aparentemente desconhecida e nada parecida com o que eu tinha sonhado, pudesse ter tanta influência em mim. Espero mesmo que ele seja o tal, que isto resulte. Espero mesmo que as minhas inseguranças não falem mais alto e estraguem o que nós temos.
Cheguei ao atelier com um sorriso estampado no rosto, o sorriso de quem acabou de dar o primeiro beijo e não sabe se é mais seguro contar a alguém ou guardar segredo. Entrei pela porta das traseiras e agi da forma mais natural que consegui. Vesti o avental e peguei numa tela branca, novinha em folha. Depois escolhi as tintas e comecei a pintar todas as coisas que me faziam lembrar do Marco e todos os sentimentos que ele provocava em mim. Ele disse que eu era a lua que faltava no seu céu estrelado. A luz, a esperança, o amor. Não há coincidências.
Estava tão concentrada que nem ouvi o Fred aproximar-se e ficar parado atrás de mim.
- Bem, já vi que estás inspirada! Mas não costumas pintar com cores tão escuras.... Passa-se alguma coisa? - perguntou ele e eu assustei-me e quase caí da cadeira – Desculpa, não queria assustar-te.
- Ah, não faz mal, Fred, eu é que estava distraída.
Olhei para ele e tentei parecer convincente, mas reparou que havia um brilho diferente nos meus olhos.
- Nádia? Há alguma coisa que me queiras contar?
- Não...
- Então porque é que estás toda corada e os teus olhos estão a brilhar tanto como os de uma criança que conseguiu o brinquedo que tanto queria? - pronto, já não havia volta a dar, eu tinha sido apanhada - Já devias perceber que és péssima a mentir.
- Ora bolas... - disse eu e ele riu-se – Fui apanhada e não vou sair impune sem te contar, pois não?
- Não - disse a cruzar os braços e a tentar fazer uma cara séria.
- Bem, como estamos sozinhos no atelier, posso contar-te aqui. Mas tens de me prometer que não vais começar a julgar as minhas decisões precipitadamente. - Ele fez que sim com a cabeça, mas continuava sério - É sobre o Marco.
- É claro que é sobre o Marco... - disse entredentes.
- O que é que disseste? - perguntei, fingindo-me de desentendida.
- Nada.
- Frederico, o que é que disseste?
Insisti e captei a sua atenção ao chamá-lo pelo nome, pois odiava que o chamassem de Frederico. Ele suspirou e respondeu:
- Eu disse que é claro que é sobre o Marco. Tu estás enfeitiçada por ele, Nádia! Ele não te merece! Ele...
- Chega! - gritei eu – Para de falar assim dele! Que mal é que ele te fez? Tu nem sequer o conheces!
- Eu sei muito bem como é que as pessoas como ele são!
- Pessoas como ele? Como é que são as pessoas como ele? Explica lá isso...
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Recomeçar
RomanceNádia tinha treze anos quando viu o seu pai assassinar a sua mãe. A violência doméstica durava há demasiado tempo naquela casa, e a morte de Amélia foi o culminar daquela vida e daquela família. Marco tinha catorze anos quando testemunhou a detenç...