Parte 2 - Marco

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Agosto 2012

Ela disse que não me conhecia e que nunca me tinha visto na vida. Fiquei realmente com pena de ela não se lembrar de mim, visto que eu sou o gajo que levou porrada do seu melhor amigo. Eu sou o gajo que ela ajudou e levou à enfermaria. Eu sou o Marco e ela é a Nádia, a rapariga que fez algo que nunca ninguém fez por mim antes. Fiquei mesmo desiludido. O ambiente na roda gigante era agradável, mas constrangedor. Quais eram as hipóteses de nos encontrarmos naquele dia e naquele sítio? Quero acreditar que, se aconteceu, foi porque tinha de ser.

Segui um caminho diferente do dela quando chegámos ao chão. Ela andava num passo apressado, visivelmente perturbada. Também segui em frente, mas estava confuso. Voltei a sentir-me rejeitado e inútil, um sentimento que me era familiar. Andei pelas ruas de Londres a admirar os edifícios antigos e majestosos. Por momentos, senti-me muito feliz. Aproveitei aquele dia ao máximo e, no final, regressei ao meu hotel em Birmingham. Pedi serviço de quartos e jantei um hambúrguer que me soube pela vida! Podia acostumar-me facilmente a isto, mas eu precisava urgentemente de arranjar trabalho e cumprir o meu objetivo.

No dia a seguir, acordei cedo e comecei a despachar-me. Depois saí em busca de trabalho. Tinha acabado o décimo segundo ano com doze no exame de história A e quinze no exame de português. Gostava bastante de tudo o que fosse relacionado com literatura e astrologia e também não me importava de trabalhar num bar, se fosse preciso. Não devia ser muito complicado arranjar algo para fazer, tendo em conta os meus gostos.

A minha primeira paragem foi uma livraria. Era um espaço com dois andares, repleto de estantes antigas e inundado de música clássica. O ambiente era muito agradável, mas eu tinha sérias dúvidas sobre ser aceite para trabalhar lá. Depois de passar os dedos pelas lombadas dos livros, aproximei-me do balcão de atendimento onde estava um homem de cinquenta anos. Ele olhou para mim de cima a baixo e depois, com um ar cínico e de desprezo, perguntou:

- Posso ajudar?

- Sim. Não precisa de ninguém para trabalhar aqui?

- Por acaso, não.

- Mas na porta diz que procuram um jovem trabalhador para full time... - tinha reparado no aviso que estava na porta e queria ver a reação do homem. A sua expressão mudou imediatamente.

- Pois, mas essa vaga já foi preenchida.... Eu é que ainda não tirei o aviso da porta.... Desculpe...

Ele bem estava a ver se me enganava, mas eu não ia cair nessa desculpa! Claramente, eu era o problema. Se calhar, não gostava do meu estilo, mas temos pena. Se pensa que é a sua recusa que me vai fazer cair, está muito enganado!

Depois de sair daquela livraria, fui a mais três e as desculpas usadas para me mandar embora foram as mesmas. Cheguei à conclusão de que era melhor desistir dessa ideia, porque eu não ia mudar só para ser aceite para trabalhar em algum lado! Comecei a procurar trabalho em bares. O primeiro onde fui era um bar de strip, por isso entrei por um pé e saí pelo outro. O segundo só aceitava pessoas locais e com mais de vinte anos. O terceiro foi o meu favorito.

O estilo era meio clássico. Havia uma jukebox e uma mesa de bilhar. O balcão de atendimento era feito de madeira e mármore e era rodeado por quinze bancos altos. Tinha também mais dez mesas, com dez cadeiras cada uma, espalhadas pelo resto da sala. Pelo que percebi, era um local muito frequentado e estava perto do meu hotel, o que ainda era melhor. Aproximei-me do balcão e perguntei a um rapaz que lá estava a limpar copos.

- Olá! Bom dia! Posso falar com o responsável? Estou à procura de trabalho.

Ele nem me deixou acabar de falar e respondeu com outra pergunta.

- És português?

- Sim...

- Tens mais de dezoito anos?

- Sim, tenho dezanove...

- Onde vives?

- Num hotel, ainda não encontrei casa. - Ele pareceu surpreendido.

- Vieste sozinho para cá?

- Sim. - Ele arregalou os olhos.

- Bem, és corajoso! Xavier! Vem cá! Tenho uma pessoa para te apresentar! - gritou ele – Como é que te chamas?

- Marco.

- Bem-vindo, Marco! - e deu-me um aperto de mão.


Agosto 2012

- O que é que faz um português de dezanove anos, sozinho, por estas bandas? - perguntou Xavier.

O Xavier era muito parecido com o meu pai, fisicamente. Alto, com cerca de um metro e oitenta, com mais ou menos quarenta anos. Um homem independente, solteiro e charmoso. Com cabelo e barba preta, aparada, com subtis cabelos brancos. Os seus olhos eram azuis e dóceis, como os meus, mas com um ar autoritário. Emigrou há vinte anos e abriu este bar icónico onde só trabalham portugueses. Também é fascinado pelas estrelas, pois os cocktails que vende à noite têm o nome de constelações.

- Vim à procura de uma vida melhor – respondi.

- E o que acham os teus pais disso? - perguntou ele. Pelo meu silêncio, percebeu que pôs o dedo na ferida – Oh... meu Deus... desculpa! Devia ter estado calado! Lamento!

- Não, não faz mal, eles não morreram, estão presos.

- Não é muito melhor, lamento rapaz...

- Não lamente, eles deitaram-se na cama que fizeram. Mas podemos mudar de assunto?

- Claro, rapaz! Então e quando é que queres começar?

- O mais rápido possível!

- Então, fazemos assim... Hoje, já é muito em cima da hora, mas amanhã tenta chegar aqui por volta das oito da manhã, que eu depois ensino-te tudo o que precisas de saber. Pode ser assim? Vais começar no turno da manhã e depois, se eu gostar do teu trabalho, ganhas um lugar no turno da noite, que é mais agitado e lucrativo.

- Obrigado, Xavier! Não sei como lhe agradecer! Não sabe o quão importante isto é para mim!

- Não me desiludas rapaz! - e selámos o nosso acordo com um aperto de mão. 

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