Parte 1 - Nádia

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Junho 1999

Fiquei à espreita, à porta do meu quarto, a assistir à conversa que os meus pais estavam a ter à porta da casa de banho. O meu pai entregou à minha mãe a última caixa cor-de-rosa e ela entrou na casa de banho, cabisbaixa. Durante algum tempo, ele andou de um lado para o outro, impaciente, à espera que a minha mãe saísse. Também sussurrava palavras que eu não conseguia compreender e tinha as mãos juntas, como se estivesse a rezar. Pouco depois, a mãe saiu da casa de banho e, entregando-lhe o conteúdo da caixa, disse:

- Desculpa, António... Eu disse que não ia resultar... - Tentou abraça-lo, mas ele empurrou-a contra a parede e começou a gritar.

- A única coisa que eu te pedi foi um filho... um rapaz! Eu tentei, eu tentei...! Eu acreditei num milagre! Eu pedi tantas vezes um milagre! Mas parece que os meus esforços não valeram de nada! Tu és uma inútil!

- Mas António, eu avisei-te, eu disse para não teres esperança! Meu amor, não continues a bater na mesma tecla... Tu disseste que ias parar de insistir... Por favor... Tens de aceitar...

- Aceitar!? - gritou ele – Aceitar!? Eu nunca vou aceitar, Amélia! Nunca! Tu és uma inútil! Não prestas! Se soubesse que este ia ser o meu destino, nunca me teria casado contigo! - quando acabou de falar, começou a bater na minha mãe e eu vi tudo.

Vi a minha mãe a contorcer-se, caída no chão. A lutar. Ouvi o meu pai a gritar com ela e a destruir-lhe a pele cada vez que lhe acertava com os punhos fechados. Senti a dor de cada um deles e finalmente percebi tudo. O meu pai queria um filho rapaz, queria dar-me um irmão e a minha mãe não conseguia fazer com que isso acontecesse. O pai estava destruído e agora queria destruir e provocar mais dor à minha mãe.

- Já me podes dizer o que eram as caixas cor-de-rosa? - a minha madrinha não me respondeu e ficou a olhar para mim – Eu sei que tem alguma coisa a ver com bebés... Eu ouvi o pai a gritar com a mãe... Eu... - ela não me deixou acabar.

- O pai gritou com a mãe, querida? - perguntou ela.

- Sim... Eu acho que o pai queria que eu tivesse um irmão e a mãe...

- Não consegue... A mãe não consegue. - Completou ela.

- Porquê? A mãe não quer mais bebés?

- Querida, a tua mãe quer, mas não consegue... - e dito isto, abraçou-me e eu consegui perceber que a verdade estava a ser, aos poucos, revelada. E eu já tinha percebido tudo.  

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