Capítulo #42 - Um mundo decadente

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Um mundo decadente... Do alto o regente olhava cenas do planeta azul se projetarem para fora de uma esfera circulante que flutuava no centro de uma espécie de púlpito iluminado. Era uma pequena esfera, a terceira a contar de sua estrela de meia idade, sol. Sim, o mundo decadente: a terra.

Para o regente, a terra era como uma bota velha infestada de pragas: os humanos. Seres que faziam diversas escolhas erradas, e que a todo momento estavam as voltas se digladiando: Eram dois passos para o futuro, com um gigantesco salto ao passado: Um verdadeiro risco para a estabilidade galáctica.

De certa forma a terra era um anacronismo em si. Um lado altamente evoluído e tecnológico que – às voltas com a incapacidade de viver com suas próprias possibilidades, diferenças e destinos – implodia em discussões existenciais para os quais não estiveram nunca preparados. Por isto, inclusive, sua outra metade cósmica e paralela colapsou. O outro – o que estava agora – era atrasado e caminhava para o mesmo destino caótico, o que só provava que o livre arbítrio era um erro fatal.

Como um vírus, eliminar o hospedeiro é útil só no curto prazo, mas sem eliminar a deficiência que permite a invasão viral, o vírus simplesmente evolui e acha um novo lar. Os humanos em si eram os hospedeiros; emoções: as pragas; a empatia: a doença e a humanidade como entidade singular: o vírus. E ele, o regente daquela orquestra sem harmonia. Todavia, não o único.

Para o regente, a "purificação" nada mais era do que uma graça que ele dava – não em favor dos humanos – mas para a preservação da própria espécie e daqueles outros que há muito tempo podiam viver em completa apatia em mundos fora do alcance dos olhos terrenos. Só que havia um risco grande, um detonador de desordem e insubordinação, seu próprio filho, aquele que se autobatizou: Chris, terminando por quase se "humanizar".

O Regente tornou a olhar a esfera, ironicamente estava dentro dela e fora ao mesmo tempo. Rincão tornara a se sobressair junto a casa, era uma espécie de zoom tecnológico que lhe permitia sondar o lugar, sem precisar estar fisicamente lá.

Não é que uma guerra contra a humanidade não pudesse ser vencida. Porém, para que gastar tempo e recursos valiosos – e superiores demais para serem desperdiçados com aquela espécie – se era possível influenciá-los a se implodirem mediante aquele mesmo desvio natural que traziam consigo e que lhes permitia fazer escolhas?

A ordem oculta e o conclave bem poderiam se juntar – ponderou. Eram humanos em suma, e embora algumas bestas mágicas lhes fossem naturais, a essência continuava inferior demais para pensar algo além do que os olhos viam. Poderia derrotá-los, poderia instigá-los a automutilação. Não seria a primeira, nem a segunda guerra civil nem mundial. Para o regente aquilo era indiferente. O que importava era manter uma cota suficientemente boa de servos a ponto de poder abandonar o planeta a própria sorte, sem o risco de que amanhã os terráqueos lhe batessem à porta para criar problemas. Em seu julgamento, no final das contas não faria aos humanos nada muito diferente do que eles próprios se afeiçoaram a fazer a si mesmo: escravidão, cancelamento, opressão, etc.

Eris e seu grupo eram ligeiramente mais desafiadores, sobretudo dado ao poderio que a Deusa trazia consigo. Mas a vaidade dela, sua fixação naquela hospedeira de múltiplas almas, e seu desprezo pelos humanos faziam dela uma potencial aliada em uma futura repartição. Outra coisa que os humanos faziam entre si sem grandes problemas, afinal... o que são duas bombas atômicas e um muro? – Julgou, dando de ombros ao espelho fosco.

Entediado, ele mexia a esfera de um lado a outro, era irônico: os humanos que, durante décadas, acharam-se superiores uns aos outros. Tão dispostos a escravizar a título de civilizar, como foram em suas cruzadas e navegações; nada mais eram – para uma entidade superior como ele se julgava – uma eterna repetição de múltiplas realidades que – escrava do mesmo mal que era seu livre arbítrio – colapsava em algum momento da vida, sem nunca poder encontrar os povos mais evoluídos que se limitavam de monitorá-los à distância.

Desde que fora encarregado de "pacificar" o planeta e evitar o caos galáctico que ele poderia provocar na vizinhança começou a sentir algo de humano em si: emoções. Aquele lugar estava tomado desta droga. Os próprios humanos em si dificilmente conseguiam viver sem falar em algo de "sentir". Mas para sua surpresa os próprios humanos facilitavam seu trabalho pelo modo como se denegriam, coisa que assistiam com a maior normalidade todos os dias através de seus programas de televisão, que não eram muito diferente de um zoológico transmitido ao vivo.

— Mestre! Desculpe, peço permissão...

A voz tirou o regente de seu transe. Fitou o humano que adentrara sua recamara ampliada. Era alto para os padrões terrenos, tinha a pele e olhos relativamente claros e lábios pouco carnudos. A criatura o fitava com submissão e reverência, via no regente o Deus que este próprio achava que era – no final das contas aquilo, julgou, poderia ser um insulto, já que os humanos tinham alta facilidade em adorar qualquer um e qualquer coisa sem sequer se dar ao trabalho de averiguar.

— Permissão concedida! – Disse, como se isto fosse uma própria autorização para o outro viver.

— Há assinaturas de fora, mestre... alienígenas?

O regente riu em deboche, e então se recriminou em fazê-lo, pois aquilo em si já era algo humano. Mas a burrice do serviçal chegava a ser tóxica. Ele estava diante de um alienígena e se perguntando se os sinais que foram incumbidos de monitorar eram de alienígenas... O regente por um momento se viu na pele de um pai diante de um filho demasiado pequeno e inocente que lhe pergunta se era um cachorro, incapaz de reconhecer sua própria humanidade em sua visão de mundo infantilizada.

— Claro que sim! – Limitou-se a dizer, vendo o horror no rosto do outro que – obviamente – nunca parou para analisar que seu Deus é aquilo que tanto teme.

— São como os "outros"? – Disse em uma referência aos seguidores de Eris e às criaturas não humanas da ordem.

— Parecidos, mas eu os protegerei se forem fiéis a mim. Agora suma... – E estalou os dedos.

O homem deu meia-volta parcialmente obrigado pela força mental exercida pela entidade através do estalar de dedos. O regente olhava a cabeleira do outro, podendo inclusive sentir o cérebro pululando ali embaixo, uma grande esponja consumível que ele em algum momento teria para si próprio. O corpo pouparia, mas a caixa craniana não precisava dos neurônios – julgou. Lobotomia é terapia...

Quando o servente saiu, achando que servia, o regente se voltou para a imagem da casa projetada logo acima da sua pilastra... De alguma forma – tinha certeza, o portal ainda estava aberto para a outra dimensão, pois do contrário não haveria como captar aquela assinatura diferenciada de todos os que habitavam o outro paralelo da terra...

A menos que... – E então ele sentiu uma tensão, uma espécie de arrepio que só sentiu quando ouviu do filho a palavra este usou para encurralá-lo: Medo.

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