Hector estava preocupado... A escola havia enviado um e-mail dizendo que queriam conversar com os responsáveis pela filha. Aquilo de certa forma lhe cortou o coração, pois ele saberia que não era como qualquer pai, que poderia simplesmente dar as caras junto a esposa – um casal de margarina – e tentar encontrar uma solução diplomática para o problema. Ele era basicamente como um brasileiro livre no ventre de uma escrava quando ainda nem se pensava em república e independência.
Pensava no que poderia fazer para acalmar os monstros em seu interior, enquanto andava pela emissora que a qualquer momento poderia desfalecer em dividas. Pensou em tragar um cigarro, mas a voz da mesma menina lhe cobrou mentalmente: "Papai, eu não quero que morra, e cigarro faz buraquinhos na gente"...
Ela estava certa. Ele se sentia um fracasso vez ou outra. A perda da mulher era a ângustia de um corpo que não se acha em meio aos escombros, a esperança em seu lado mais cruel: matando aos poucos.
Quando imaginou que o único caminho seria afundar em uma cadeira, notou uma esbelta moça parada junto ao café. A novata tinha um verdadeiro incêndio no olhar. Era uma energia que ele bem queria que fosse transferida como um conteúdo compartilhado num bluetooth mental. Continuou seu caminho em direção a ela, deixando a cadeira para um segundo plano.
− Tudo bem? – Cumprimentou, esticando o braço na direção do tubo com copos de plástico. A empresa bem que começou a colocar canecas ditas como sustentáveis, mas ainda havia copos plásticos. Escolha natural para alguém acostumado a descartes, como ele.
A moça, que logo viria a conhecer por Eva Mendes, fitou-o de um modo tão gentil que parecia um abraço:
− Ótimo saber que não ser a única a ser contratada hoje! – Sorriu – pelo visto "as pernas" da empresa não vão tão de mal a pior – Ela deixou o copo na mesa e estendeu a mão – meu nome é Eva Mendes, a propósito.
Hector apertou a mão dela, deu um meio sorriso constrangido e disse a verdade:
− Hector! – apresentou-se – mas na verdade sou freelancer.
− Freelancer? O que faz um freelancer nesta emissora tão grande?
Hector deu uma golada no café quente e respondeu o mais despretenciosamente que pôde:
− Tampar buraco... Sabe como é: gente que foi demitida e não será reposta, gente que está faltando por que busca outro emprego, ou mesmo para ser braço quando a demanda aumenta. Mas meus parabéns, foi contratada para fazer o quê? – Ele terminou por perguntar, curioso, os olhos quase ocultos pela borda do copo enquanto o líquido quente descia pelo escorregador de sua garganta.
Eva espelhou o movimento e em um hiato do ato de bebericar o café ela lhe revelou que estava ali para ser assistente do dono da emissora, Adam Forreta, aquilo por si só foi como um soco em seu estômago, mas foi o comentário seguinte que o deixou sem palavras:
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Watch-Pad: O reality show de papel
Ficción GeneralPara escapar da falência, a emissora (in)Certa decide lançar um reality show exótico que promete agitar o país. Participantes exóticas, uma mansão comprada a preço de banana, um farol que permite acessar a outra dimensão e um grupo de peças de um qu...