Caiam as primeiras gotas de chuva do lado de fora do grande casarão. A equipe de produção fazia os últimos ajustes de preparação do grande cenário, foi muita sorte terem comprado aquele grande casarão a preço de banana. A emissora (in)Certa não era das maiores que havia na cidade de Rincão e a concorrência era um dragão pronto para devorá-los. Seguindo a tendência nacional, só havia um jeito de sobreviver: um reality show, mas não um reality qualquer...
Ladeada por um grande campo descoberto tendo nos fundos uma densa floresta, a grande mansão era apenas a construção principal em meio a outras que foram improvisadas ou feitas para o programa. Havia uma grande torre que bem lembrava um farol quase nos limites da floresta, havia uma grande luz acima, como se fosse um farol de porto construído afastado da costa. Ninguém sabia ao certo o porquê, mas dava um tcham.
Dentro dos muros da casa havia duas grandes piscinas, um balanço velho e outros brinquedos de uma espécie de parquinho que a muito não via uma criança, havia uma academia, um observatório, um grande salão de festas, um jardim com vários tipos de plantas, uma frondosa arvore com uma casa de madeira no topo – ela bem poderia acomodar três pessoas não tão exigentes – sem contar uma adega com diversas garrafas e uma área verde com hortaliças. Isto para não falar do grande casarão e das câmeras e fachos de luz que iluminavam toda a fachada.
— Esse lugar me dá alguns calafrios, sabia?
— Ah! ah! ah! Sério, Jaque? – Disse o homem de olhos verdes fitando a colega apresentadora ao lado, o vento frio soprando sua saia e cabelos para o mesmo lado.
— Luck, é sério, sei lá. Os produtores apostam forte nisso, eu também acho que... mas sei lá...
Lucas Perito conhecia muito bem a amiga, Jaqueline Melindrosa, ela estava muito entusiasmada com a história, mas talvez tenha sido inoportuno falar da compra do casarão. Ainda mais ter dito o preço que ouviu a produção comentar que a emissora pagou pelo local. Era muito, por pouco. Algo que Jaqueline não poderia conceber.
— Ok, vamos ficar sem neurose, ou esse troço dá certo, ou estamos no olho da rua, sabia? – E soltou um sorrisinho nervoso.
— É mesmo, melhor a gente checar tudo, logo os confinados chegam. O doutor Forreta disse que o elenco é próprio para o lugar e que íamos atingir o nirvana da audiência com essa coisa toda. Só não entendi bem o que ele quis dizer, será que esse lugar tem algo...
— Bah, lá vem você de novo! HeHehe! Que tal relaxar? Conferir a mansão, sei lá?
Jaque não respondeu de imediato, mas então acenou com a cabeça e abriu um sorriso. Aquilo era um "SIM" entusiasmado, deu uma olhadela a sua volta e se dirigiu a entrada principal da mansão, e não era pouco falar isto.
Logo de cara, ao entrar, a primeira coisa que se via era um lustre colonial muito soberbo, era cheio de cristais e fazia um barulhinho aconchegante ao soprar do vento. O chão era de madeira, assim como as escadas e boa parte dos forros de parede, mas havia grandes carpetes espalhados por ali, havia esculturas, molduras e retratos que, como vieram a saber, foram de antigos moradores – pessoas importantes na cidade – e que, por conveniência ou preguiça não foram retirados, ficando lá como parte da decoração.
O ar no geral era de uma casa do século XIX com um "q" de século XX. Mas nada muito além disto, não fossem as modernidades implantadas lá deste século. Havia grandes janelas cobertas por cortinas ainda maiores, telões, sofás, lareiras, mesas e bufês. O aroma de cada quarto era tão peculiar quanto as plantas que eram dispostas.
Jaque foi em direção a um dos quartos. Era totalmente rosa e com uma grande cama colonial no centro. Havia três ou quatro pufes, uma penteadeira abarrotada de perfumes, batons, maquiagem e um grande guarda-roupa com roupas novas, ainda no saco. O abajur era um encanto e havia alguns livros de páginas um pouco amareladas dispostos em um canto, como se fossem uma recordação da decoração antiga e original.
Lucas vistoriava o quarto imediatamente ao lado, era suntuoso e clean. Sua coloração era bem clarinha, como baunilha, e tinha uma grande horda de instrumentos de corda e madeira em um canto. Não tinha um lustre tão belo quanto o do quarto rosa, sua iluminação, entretanto, vinha de todos cantos da parede. Havia um banheiro ao fundo sem qualquer porta e uma espécie de sacada que dava para um dos lados da casa.
Uma próxima instalação, ambos repararam, parecia uma floresta no meio da cidade, era apinhado de plantas que foram plantadas ali mesmo, pouco além da cama, cercando-a quase que completamente, não fossem os caminhos para a porta de entrada, o banheiro, a sacada e um grande baú onde deveriam – suporam – guardar as roupas.
— Quantos quartos tem aqui?
— Uns trinta, mas nem vamos entrar em todos... alguns ainda não foram reformados e pelo menos três sempre ficam trancados! – Disse um dos câmeras diante da admiração dos apresentadores. Jaque ameaçou continuar perguntando, mas foi Lucas quem o fez:
— Por quê?
— Nem me pergunte – o outro deu de ombros – doutor Forreta não comentou nada. Apenas disse pra manter assim. Já viram os participantes que foram confirmados? – O rapaz desconversou, e então estendeu uma pasta para a jovem Jaqueline.
Ela a apanhou e foliou.
— Excêntricos, não?
— Tudo pela audiência, mon amour! – Lucas apanhou com jeitinho a pasta e debruçou os olhos, sobretudo nas mulheres – é, parece que a coisa vai ser bem diferente dessa vez... – Riu.
— Palhaço! – Ela retrucou, mas então sucumbiu ao riso imaginando o que poderia rolar. – E as nossas pautas? – Disse, se referindo ao guião de apresentação que deveriam usar. Até então, pouco ou nada tinham da proposta.
— Recebemos faz pouco tempo – disse o câmera novamente – aqui estão. Querem fazer uma primeira tomada?
Lucas e Jaque se entreolharam, a bem da verdade é que era a primeira vez que iriam realmente estar em cadeia mundial, a transmissão seria simultânea na internet e na televisão. Nunca atingiram um publico tão grande e a adrenalina de ter que fazer aquilo acontecer para não parar na fila do Seguro desemprego era o toque que faltava pra dar ânimo. Podiam até ficar famosos e ir para um BBB.
— Claro! – Lucas respondeu, e Jaque não demorou a retocar a maquiagem.
O câmera ajustou as lentes e posicionou as outras duas câmeras que estavam próximas, dois assistentes se aproximaram com os microfones no alto, não tão longe para não prejudicar a voz, nem tão perto para não serem vistos nas câmeras. A iluminação foi melhorada e ambos apresentadores abriram um grande sorriso.
Jaque já ia abrir a boca para saudar os presuntos telespectadores – que ainda não estavam lá – e fazer uma breve ronda pelo melhor das instalações quando ouviram um barulho estranho da floresta, algo como um assobio, ou um uivo que fez os apresentadores se entreolharem.
— Que diabos foi isso? – Questionaram-se ao mesmo tempo.
O câmera nem pestanejou, tirou os grandes fones de ouvido e saiu detrás do aparelho que controlava. Sua voz era sinistramente calma quando lhes disse:
— Não sabemos ao certo, mas as vezes acontece...
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Watch-Pad: O reality show de papel
Ficção GeralPara escapar da falência, a emissora (in)Certa decide lançar um reality show exótico que promete agitar o país. Participantes exóticas, uma mansão comprada a preço de banana, um farol que permite acessar a outra dimensão e um grupo de peças de um qu...