Uma espaçonave carrega os últimos resquícios da espécie humana. Sem nomes, sem destino e com a tarefa impossível de sobreviver a um vazio sem fim, os poucos tripulantes precisam enfrentar um mal misterioso entre eles. Algo poderoso, capaz de destrui...
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— Eis o nosso problema. – falei, abrindo a tela do computador, na Sala de Reuniões, enquanto os demais me observavam com preocupação.
Estavam todos ali, com exceção do Rosa – que provavelmente ficou tão perdido em seu próprio mundinho que ignorou os alarmes – e a Laranja – que raramente se misturava aos demais.
— Temos uma câmara de criogenia com defeito.
— E qual é o nível do defeito? – perguntou meu irmão, o mais jovem da equipe, um garoto de corpo esguio, sem um fio de barba no rosto, olhos claros e lábios finos como os do nosso pai. Seu colete ciano era o mais sujo dali.
— Nível 8. – Constatei.
— Que merda, Franklin.
Se algo estava errado com as câmaras de criogenia, todos os humanos que levávamos na nave podiam morrer. Seriam 3.140 vidas em perigo.
— Já falamos sobre isso. Me chame de Vermelho ou capitão enquanto estivemos na nave. – falei, rude. – Nossos nomes verdadeiros ficaram pra trás, entendeu?
Não precisei girar o pescoço para saber que ele havia revirado os olhos. Meu irmão era um daqueles "rebeldes sem causa" que não perdia uma oportunidade de mostrar que não aceitava ordens.
— Você é nosso mecânico, Ciano. – disse Azul, o segundo navegador no comando. – Consegue resolver isso?
— Não sem saber qual é o problema. Aquelas máquinas são delicadas, entrar lá sem ter ideia do defeito é perigoso. Posso morrer congelado...
Me arrepiei só de imaginar meu irmão caçula sendo levado pelo frio.
— Podem deixar que resolvo isso. – falei, virando a cadeira para encará-los. – Branco, quero que comunique a Laranja sobre o que houve aqui. Ela é dona da nave, mas tem que descer como os demais sempre que o alarme soar.
— Pode deixar chefe! – respondeu ela, com um sorriso amigável e sempre disposta a ajudar.
— Passe o mesmo recado para o Rosa. Não importa o que ele estiver fazendo naquele laboratório, da próxima vez quero vê-lo aqui, junto dos outros.
Branco concordou e saiu. Ela era uma mulher forte, mesmo não sendo a melhor das navegadoras, conseguia espalhar carisma e felicidade por onde passava. Bem diferente do Preto e do Amarelo, que apenas ficaram em um canto, de braços cruzados, me encarando.
— Ciano, preciso que vá até à elétrica e redirecione a energia para as câmaras. Vou continuar com a análise para ver qual é o defeito.
— E quanto a mim? – perguntou Roxo, se aproximando com aquele sorriso meigo que eu amava tanto.
Meu namorado estava calado até então, sentado na mesa tentando esconder o nervosismo. Durante as crises, ele sempre ficava ao meu lado, tentando me apoiar e lidar com a insegurança de ser somente um botânico em meio a todo o caos tecnológico daquele lugar.
Olhei para os seus olhos, aqueles doces olhos castanhos que contrastavam com as sobrancelhas finas, lábios doces e a pele recheada de espinhas.
Tentei conversar com ele como chefe.
— Continue com as suas tasks e, se o Verde precisar de ajuda, vá com ele até as câmeras. Precisamos das imagens da sala de criogenia.
— Sim, capitão.
Ele tocou no meu ombro, desejando boa sorte.
Queria poder dizer... Contar a verdade sobre a minha doença, revelar minhas inseguranças e ignorar os protocolos para beijá-lo na frente de todo mundo, mas me contive.
Cada um recebeu uma task e foram embora. Com exceção do Preto, que foi o único que continuou na sala, esperando a hora certa para conversar comigo.
Aquele sujeito era o Satanás em pessoa... Voz rouca, olhar frio e um jeito de se movimentar como se sempre estivesse tramando algo.
— Sabia que você faria a escolha errada. – Ele disse, sentando em cima da mesa e me encarando ainda de braços cruzados.
— Não tenho tempo para você, cara.
— Sabe que a Laranja não vai ficar feliz, né? Deveria ter mandado o Ciano fazer o diagnóstico pessoalmente. É o procedimento padrão.
Tentei ignorá-lo, mas não era uma tarefa fácil.
— Ainda sou o capitão daqui. Eu decido o que deve ser feito.
— Protegendo o irmãozinho que não dá a mínima para a hierarquia daqui?
— Você não se cansa de ser o chaveirinho da Laranja? Lambendo as botas daquela mulher como se isso fosse te levar à algum lugar.
Consegui incomodá-lo com aquilo; percebi pelo seu semblante.
— Se eu fosse você, não se achava tanto. Todos aos seu redor têm segredos, ninguém liga de verdade para você, capitão.
Me levantei da cadeira, cerrando os punhos e encarando aquele filho da puta.
— O que quer dizer com isso? – trinquei os dentes.
— O que todo mundo já sabe. Que você é o corno da nave!
— Escuta aqui, seu merdinha...
Estava prestes a partir para cima dele quando senti uma pontada forte no abdômen.
Desabei na cadeira de novo, contendo a dor para que o Preto não percebesse que havia algo de errado comigo. Péssima hora para se ter uma crise!
— Diga algo assim de novo e mato você. - falei.
— Isso é uma ameaça?
— Pode apostar que sim...
Fulminei o Preto com os olhos.
Ele poderia falar o que quisesse de mim, mas não do Roxo. Enquanto eu fosse o chefe, no pouco tempo que talvez me restasse, o Preto teria que tratar meus amigos e o Roxo com respeito.