Capítulo 8 - Simão

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Inês não queria admitir mas continuava emocionalmente abalada. Se mostrava radiante de alegria e cheia de vivacidade na presença de todo mundo mas eu notava que a sua aura vibrante murchava mal ficava sozinha.

Por diversas vezes a encontrei isolada, de olhar introspectivo e o semblante invariavelmente triste. Só arrebitava quando sentia que estava sendo observada.

Inês quis continuar trabalhando. Odiei a ideia mas não contestei. No fundo sabia que ficar em casa, sem nada para fazer, também não era o ideal para ela. Por experiência própria, sabia que o trabalho era um bom refúgio, uma boa terapia. Já não tinha tanta certeza quanto a ela trabalhar no mesmo local, onde as recordações do colega eram tão vivas. Por outro lado, talvez fosse bom enfrentar seus fantasmas, superar eles, recuperando mais rápido seu equilíbrio emocional.

A gente estava em paz, vivendo numa harmonia como nunca antes vivemos. Nossa relação navegando numa suave maré de calmaria e bonança. Calma demais até. Por incrível que pareça, nunca trepámos tão pouco como nas semanas que se seguiram.

Além de murcha e tristinha, a diabinha também estava diferente. Muito estranha. Muito quietinha. Serena e bem-comportada. Agindo como um verdadeiro anjinho. Isso me preocupou mais do que tudo. Me deixou assustado pra caralho. Sem saber o que fazer. Sabendo apenas que ela não estava bem.

Tomaz achou normal ela se sentir ainda fragilizada. Falou para eu não me preocupar. Dar tempo ao tempo. Depressa Inês recuperaria a confiança nas pessoas e nela própria. Na opinião dele, o melhor era eu não fazer grandes ondas. Dar espaço para ela se reencontrar. Ficar atento apenas. Me demonstrar disponível. Fazer ela sentir que estava ao seu lado. Manter o diálogo sempre aberto mas sem pressionar.

Tudo o que Tomaz falou era muito bonito. A porra é que eu não fazia a mínima ideia de como caralho agir. Passei metade da minha vida me preparando para assumir a liderança de nossos negócios e os destinos de nosso império. A outra metade assumindo e liderando. Sobrou muito pouco tempo para aprender a lidar com os sentimentos das pessoas em geral e das mulheres em particular. Muito menos me preparei para lidar com o casamento, a relação conjugal.

Na minha vida, mulher sempre foi sinônimo de transa, momentos de prazer. O resto era terreno pantanoso, fronteira perigosa onde eu nunca me aventurei.

Mesmo com a diabinha, a nossa relação sempre girou à volta do sexo. Antes e depois de nos casarmos. Era a nossa zona de conforto. A alma do nosso casamento. Isso e as nossas brigas e disputas.

Até hoje, a gente nunca teve coragem para se aventurar e explorar a nossa relação além do sexo. Talvez nenhum de nós soubesse como fazer.

Expressar nossos sentimentos não era fácil. A gente parecia ficar sem jeito, com vergonha em falar aquelas coisas para o outro, como se tivéssemos medo de sermos ridículos, de nos expor em demasia, ficarmos nus e indefesos, à mercê do outro.

Nunca pensei sentir inveja das pessoas que falam dos sentimentos com a mesma naturalidade com que comem e bebem, tornando as palavras românticas tão banais como as outras palavras todas.

Ao mesmo tempo, os dois andávamos retraídos, refreando nossas personalidades e temperamentos, como se com medo de desagradar ou decepcionar o outro. Bem lá no fundo, com receio de sermos nós próprios.

- Ou então provoca ela. - Tomaz me aconselhou - Faz o que você sabe fazer de melhor.

- E isso é o quê?

- Ser uma besta. - deu de ombros, rindo meio trocista - Aposto que Inês volta logo a ser ela mesma, vai ver.

- Além de obstetra, agora virou psicólogo? - ironizei.

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