Capítulo 11 - Simão

22 3 0
                                    

Então o impensável aconteceu. Durante a nossa viagem a Lisboa, aquela garota de cabelo curtinho, amiga da noiva do meu irmão, foi brutalmente agredida e estuprada. Um acontecimento horrendo e lamentável que, de um momento para o outro, se tornou numa hecatombe de sofrimento para minha família, em especial para meu irmão David.

A moça acusou injustamente meu irmão de ter pago aos bandidos para a surrarem e estuprarem, ameaçando ela para ficar longe dele e de Diana, desaparecer da vida deles. Uma acusação falsa e absurda, sem sentido. Uma mentira sórdida. Até a polícia percebeu rápido que David era inocente. Só que o mal já estava feito. Diana acreditou na amiga. No final, quem desapareceu foi ela. Simplesmente se eclipsou, desvanecendo-se da face da terra, fugindo de meu irmão como se ele fosse um criminoso perigoso.

David quase enlouqueceu de desespero. Raiva e revolta também. Ela estava grávida, carregando um filho dele. Exasperado, meu irmão quase perdeu o rumo.

Todos nós ficámos abalados, consternados, com um sentimento angustiante de total impotência, sem saber o que fazer, como ajudar. Ninguém entendendo os motivos da moça estar mentindo, acusando meu irmão. Ninguém entendendo os motivos de Diana desaparecer, fugindo daquele jeito.

- Parece história tirada de filme. - Beatriz falou chocada, com uma expressão de assombro na cara.

- Surreal ... - César concordou.

Estávamos todos em casa de meus pais, menos David. Meu irmão provavelmente estava se encharcando em uísque, sozinho em casa. Passámos a noite debatendo os acontecimentos. Todos menos Inês. Estranhamente, ela manteve-se calada o tempo inteiro. Devia estar abalada demais. Ainda não se refizera por completo daquela patifaria rocambolesca do colega. Agora era mais uma sacanagem sacudindo nossas vidas.

- Estou tão preocupada! - minha mãe não conseguiu disfarçar as lágrimas - David está mal. Nunca vi meu filho nesse estado.

A minha mãe estava de rastos, afligida de preocupação com meu irmão, com toda a situação.

- E essa menina? Sozinha por aí! - falou apoquentada - Ela não tem família. Meu Deus, que vai ser dela? E o bebê?

- Quando o dinheiro acabar, talvez apareça ... - foi o comentário cáustico de meu pai, enquanto se servia de outro uísque, todo tenso, o corpo todo rígido.

Senti a revolta e raiva de meu pai, tenso de preocupação ao ver o estado de aflição de minha mãe. Eu também me sentia furioso, vendo a apoquentação e desalento de todo mundo, o sofrimento e aflição da minha mãe, o tormento de meu irmão. A sensação de impotência me sufocando.

- Não entendo o que deu nessa menina ... - ouvi Beatriz suspirar, num desabafo desanimado - Desaparecer assim?

Ninguém entendia.

- Eu entendo Diana. - Inês finalmente se manifestou, mal entrámos no carro, de regresso a casa.

Olhei perplexo para ela. Raivoso.

- Concorda com o que ela está fazendo com meu irmão?

- Não falei que concordo. - olhou-me de relance, afastando da cara uma madeixa de cabelo rebelde - Falei que entendo.

- Entende?!

Pois eu não conseguia entender tamanha cobardia. Ir embora sem uma palavra, como uma fugitiva se escondendo e se protegendo de um mafioso. Punindo meu irmão por um crime que ele não cometeu, sem dar uma oportunidade a ele para se defender. Desaparecendo grávida dele? Foda-se! Que porra entendia Inês que eu não conseguia enxergar?

- David foi violento com ela. - justificou com cautela - Bateu nela. Acho normal Diana acreditar na acusação da amiga.

- Ela perdoou ele! - redargui azedo - Aceitou casar com meu irmão, porra! Aceita casar e não tem confiança nele? Como é que pode?

- Ela pode ter perdoado mas ... está na cara que não esqueceu o que aconteceu. - fitou-me de novo, os dedos enrolando nervosos a mesma madeixa de cabelo - Agora com esta acusação de Nanda, deve estar pensando o pior de seu irmão.

- Mesmo assim, o que ela está fazendo é imperdoável!

- David também tem culpa.

- Meu irmão tem culpa?! - questionei zangado, não acreditando no que escutava - Você acredita mesmo nessa merda que ele mandou surrar essa Nanda?

- Não! Claro que não! - exclamou veemente - Diana também não acreditaria nessa mentira se seu irmão não tivesse batido nela, não entende?

- Não! Não entendo! - declarei exaltado - Não entendo como uma mulher pode fazer uma sacanagem dessas a um homem!

- Ela deve estar com medo de David.

- Medo?!

- É ... que outro motivo tinha para desaparecer?

- Ela carrega o filho dele na barriga! - me indignei - Com medo ou sem medo, tinha que estar aqui! Não confia mais nele? Tudo bem. Bastava romper com ele. Desistir do casamento. Agora, ela não tem o direito de desaparecer. Negar a ele o direito de conhecer o filho.

- Neste momento, ela pensa que seu irmão é um homem perigoso. Acredita que ao ficar longe está se protegendo a ela e ao bebê dela.

- Não fala merda! - bradei revoltado.

- Ah! ... Esquece! - redarguiu baixinho - Não vale a pena continuar conversando.

- Não vale a pena mesmo! - concordei furioso - Se é pra falar merda mais vale ficar de bico fechado!

Não falámos mais uma palavra até casa. Não falámos mais uma palavra durante a noite. Nessa noite, adormecemos de costas viradas um para o outro. Afastados, cada um numa ponta da cama.

Foi a nossa primeira briga de silêncio.

Inês ficou magoada comigo. Ofendida com minhas palavras.

Eu me senti profundamente traído com sua atitude, sua tentativa de desculpar o que era indesculpável. O que estava acontecendo com meu irmão era uma injustiça sem explicação. Como Inês podia tentar justificar o injustificável?

Eu até entendia que a garota pudesse estar duvidando de meu irmão, com medo dele. Querendo desistir do casamento. Mas fugir? Grávida dele?

Caralho! Isso eu não ia entender nunca.



Quer pagar pra ver? Volume IIOnde histórias criam vida. Descubra agora