Capítulo 9 - Inês

26 2 0
                                    

Descobrir que foi Simão quem me enviou todos aqueles presentes misteriosos, que foi ele o meu admirador secreto naquela semana já distante e que eu nem lembrava mais, me fez ganhar o dia.

Fiquei tão elétrica de excitação e impaciente por o dia acabar e a noite chegar que não consegui mais trabalhar direito o resto do dia. Minha mente completamente alvoroçada. Meu coração também. Minha alma então parecia como que renovada. Uma alma alada.

- Seu admirador secreto está de volta?

Jorge mirou curioso a gigantesca e bonita caixa em cima da minha mesa, ocupando a superfície quase toda.

- Não é mais admirador secreto.

- Descobriu quem é? - perguntou, pegando indiscreto no cartão.

Soltei uma gargalhada de prazer quando vi a sua expressão de surpresa ao ler a mensagem. O franzir apertado de sobrancelhas e os lábios se comprimindo numa linha, conforme lia. Percebi também que adivinhou quem era afinal o meu admirador secreto. Julguei que fizesse alguma piada jocosa mas Jorge apenas pousou o cartão em cima das pétalas de rosa e, sem dizer uma palavra, desandou para a sala dele. Nunca me questionou sobre o meu casamento, agora que sabia quem eu era. Intimamente agradeci a sua discrição.

Meus outros colegas também estavam curiosos, em especial Vânia mas apenas comentaram como o presente era bonito, sem perguntas intrometidas. O clima na nossa equipe andava estranho desde que Gil foi demitido. Ninguém ficou sabendo o que aconteceu mas todos pressentiam que tinha algo a ver comigo. Não eram indelicados nem desagradáveis mas eu sentia no ar uma certa reserva e desconfiança. Não era propriamente animosidade. Era distância.

Apesar de ausente, a presença de Gil ainda era visível, palpável. Com ela, a lembrança viva de todo meu tormento sofrido. Tormento que quase me levou à beira da loucura. Tudo alimentado por mentira e logro. Perpetrado por uma pessoa que eu aprendi a gostar e confiar. Era uma sensação de perda também. Perda de confiança nos outros. Descrença na possibilidade de voltar a acreditar na amizade. Isso me provocava tristeza.

Eu não queria me sentir triste. Tinha tudo para me sentir a mulher mais feliz do mundo. Ficar triste até era pecado. Só que a tristeza me espreitava sempre que eu baixava a guarda. Me assaltava sorrateira o espírito e me dominava corrosiva e desgastante. Fazia os possíveis para ninguém perceber. Especialmente Simão. Não era justo para ele me ver triste.

Ainda ponderei pedir demissão. Encerrar definitivamente aquele capítulo desagradável. Eu não trabalhava por necessidade financeira. Era por prazer. Podia simplesmente virar costas e esquecer tudo. Mas não quis. Decidi continuar trabalhando. Eu nunca fui pessoa de fugir. Sempre enfrentei as minhas lutas e adversidades. As coisas e pessoas que deixei para trás no passado, deixei porque simplesmente perdi o interesse nelas. Fiz outras escolhas na vida.

Largar meu trabalho era fugir, punir-me a mim mesma. Não tinha por que me punir. Adorava o meu trabalho. Gostava do ambiente informal e relaxado da empresa. Jorge era um bom mentor. Com ele, eu sentia que poderia crescer como profissional. Tinha certeza que o clima na minha equipe depressa voltaria a ser descontraído e alegre. Para quê fugir, recomeçar noutro lugar?

Eu tinha que me concentrar nas coisas boas. Esquecer as más. Pensar, inclusive, nas coisas boas que resultaram das coisas más.

As mentiras sórdidas de Gil acabaram me fazendo descobrir que Simão me amava de verdade. Se não fosse aquela sacanagem de Gil acontecer, eventualmente eu ainda hoje não saberia.

Sorri apaixonada. Simão nunca desistiu de mim. Pelo contrário, lutou por mim. Eu não gostei muito das armas pouco ortodoxas que ele usou mas ... no fundo, sabia que ele as usou para não me perder, para proteger o nosso casamento, a nossa família.

Quer pagar pra ver? Volume IIOnde histórias criam vida. Descubra agora