Capítulo 34 - Inês

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Denise trouxe minha bolsa, com o celular tocando lá dentro, assim que Simão saiu.

- Já está tocando faz um tempão. - me avisou.

- Obrigada.

Era Jorge. Preocupado comigo. Preocupado com o meu pé e com a reação de Simão. O tranquilizei. Afinal de contas, a minha aventura de aspirante a mulher adúltera acabou sem grandes consequências. Nada de terrível aconteceu, para além da entorse e das exigências de Simão.

Foi com muita vergonha que expliquei para Jorge que teria de me demitir, por imposição de meu marido.

Jorge brincou com a situação mas eu percebi que bem lá no fundo ele ficou aliviado com a minha demissão. Isso me deixou triste.

- Melhor assim, viu?

- Melhor assim?

- Poxa! Trabalhar com você todo dia seria uma tentação do diabo. Eu não ia conseguir me segurar. Não depois de ... quase provar o filé. Ah! Não sou nenhum santo, nem de ferro, né! Ia ficar duro sempre que olhasse pra você ...

Ri-me. Jorge calou-se.

- Seu rosto está muito machucado?

- Não ... só um nadinha. - riu-se bem-disposto - O suficiente para todo mundo sacar que eu apanhei.

Falou do seu jeito desbocado, com humor irônico. Mas desta vez eu não me ri. Me sentia culpada por tudo. Tudo deu errado.

- Desculpa. - pedi consternada - Desculpa a confusão.

- Ah, deixa pra lá ... - ficou em silêncio por uns segundos e depois deu uma risadinha safada - Valeu a pena apanhar!

Ri-me de novo. Um riso nervoso.

- Eu vou sentir sua falta - confessei - Falta da galera também.

- Hum ... há uma coisa aí que você ainda não sabe.

- O quê?

- Já todo mundo tá sabendo quem é você. Tá o maior zunzum aqui. As meninas ainda não se calaram com a novidade.

- Você contou pra elas? - me admirei.

- Não! Que é isso!? Eu não sou de me meter na vida dos outros. Belinha descobriu.

- Belinha?

- Descobriu umas fotos suas e de seu marido no instagram duma famosa que ela segue. Fotos de uma festa. Aí, sabe como é Belinha, andou xeretando e ... é isso aí.

- Garota enxerida ... - murmurei.

Agora eu entendia o comportamento estranho e misterioso deles, quando fui no escritório de manhã. Na altura, pensei que estivessem intrigados com a minha visita a Jorge. Afinal já deviam estar sabendo de tudo. Que droga!

Bom, agora não tinha mais importância. Provavelmente eu nunca mais veria meus colegas na vida.

De repente, minha demissão também ficou mais fácil de aceitar. Menos penosa. Se continuasse trabalhando lá, me questionariam por que fiz segredo, por que fingi não conhecer Simão. Se explicasse os meus motivos para eles, todo mundo pensaria que era uma idiota, uma esnobe presumida.

O que me preocupava agora era meu projeto ainda por concluir. O prazo para apresentar a proposta ao cliente estava terminando. Enquanto Jorge não contratasse outra pessoa, o excesso de trabalho iria complicar a vida de toda a equipe.

- Se quiser, eu posso finalizar o projeto que estava desenvolvendo aqui em casa, enquanto vocês não contratam alguém. - sugeri.

- Isso quebra o galho pra mim mas ... não dá problema pra você?

- Problema nenhum! - garanti animada - Vai ser bom para mim ter a cabeça ocupada. Quando terminar, mando entregar o laptop aí no escritório. Que me diz?

- Valeu! - ficou grato - Isso ajuda a gente, até arrumar outra pessoa para te substituir. Pô, nossa equipe está desaparecendo aos poucos. Do nada, perdi meus melhores colaboradores. Primeiro o Gil, agora você.

Gil ...

Há já muito tempo que não pensava nele. Nem na sua sacanagem. Incrível as voltas e reviravoltas que a vida dava. Seis meses depois, cá estava eu, de novo vivenciando os mesmos dilemas, o mesmo tipo de sofrimento e dor.

Desta vez a dor era ainda maior. Por um breve momento da minha vida saboreei o gosto da felicidade plena com Simão. Essa sensação maravilhosa de me sentir amada pelo homem que era tudo para mim. Sonhando alto em ser feliz, iludida e cega.

Senti meus olhos arderem. As malditas lágrimas escorreram pelas faces, completamente destroçada. Chorei em silêncio, para Jorge não perceber. Ao mesmo tempo, rindo alto das suas graças e do seu jeito safado e descontraído. Mantendo a minha alegria exuberante para o mundo, escondendo a minha dor.

Só quando nos despedimos e finalmente larguei ocelular na cama, eu me rendi à minha tristeza, libertando os soluços, me esvaindonum choro sofrido.


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