Capítulo 18 - Inês

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Na noite antes de voarmos para a Namíbia, eu já sentia saudade. Uma saudade imensa. Os próximos destinos eram desertos de areia. Com certeza, sem abundância de vida selvagem. Eu gostava de vida. Vida e movimento.

Então, a saudade bateu. Bateu forte.

Saudade do entardecer no mato. Bebendo champanhe e comendo petiscos, sentados em cadeirões de lona em volta duma fogueira. Me extasiando com aquele magnífico pôr do sol africano. Escutando o crepitar da lenha a arder, os mugidos dos gnus e dos búfalos, o roncar dos hipopótamos e tantos outros sons. Inspirando o perfume gostoso da lenha queimando. Um odor diferente e aconchegante. Misturado com aquele outro perfume constante a bosta de gado no ar. Um odor que nunca imaginei ser tão maravilhoso.

Saudade dos safáris à noite. O ar frio penetrando cortante a gente mas a excitação e a adrenalina da aventura aquecendo sempre nossa alma. Os holofotes varrendo a noite e o mato em busca dos animais, descobrindo-os pelo brilho dos olhos quando eram focados. Tudo era mais intenso à noite. Mesmo nos lodges, assim que escurecia e até ao aclarar do dia seguinte, os hóspedes não podiam circular sozinhos entre os bungalows e a área social. Éramos escoltados por um ou dois empregados, de espingarda ao ombro, por causa dos animais.

Saudade de Simão desembaraçando pacientemente meus cabelos emaranhados pelo pó e vento da deslocação do jipe. Choramingando e xingando quando me machucava. Então Simão me beijava na orelha ou na nuca e me sussurrava "desculpa", naquela sua voz rouquenha e sensual. Normalmente, sentados no mesmo sofá, no deck. Eu no meio de suas pernas. Simão insistindo sempre comigo para que eu prendesse o cabelo para ele não ficar daquele jeito. Eu concordando sempre mas sempre me esquecendo de propósito. Amava aqueles momentos. Só o prazer de ter Simão me penteando, todo cuidadoso, valia qualquer dor.

Saudade de jantar e tomar o café da manhã, enquanto observava os animais vindo beber água nos lagos junto dos lodges. Saudade dos momentos em que descansávamos nos decks, à sombra, na hora de maior calor. Recostada em Simão que aproveitava para se atualizar com as notícias da empresa, enquanto eu escolhia as fotografias para enviar por whatsapp à família e amigos. Por vezes, conversando em videochamada com a pipoquinha. Ela também estava feliz, sentindo pouco a nossa ausência. Estava na fazenda de um dos irmãos de dona Maria Luiza. Minha sogra e Beatriz foram com as pequenitas para lá. A pipoquinha andava tão empolgada com a priminha e os animais da fazenda que nem lembrava da gente.

Olhei o contorno do monte Kilimanjaro, no horizonte. O sol já não se via. Em pouco tempo estaria escuro como breu. O ar arrefecido da noite também já se sentia.

Simão deslizou pela banheira, levando-me com ele de arrasto, protegendo-nos do frio, submersos até ao queixo na água quentinha. Apenas nossas cabeças e os joelhos de Simão ficaram fora da água. Abraçou-me, uma mão afagando-me suavemente um seio, a outra acariciando-me ao longo de meu braço.

Desviei o olhar do horizonte e depositei-lhe um beijo doce e longo no queixo.

- Está tão caladinha. - Simão estranhou-me - Que se passa?

Sorri melancolicamente. Nossos rostos muito próximos.

- Nostalgia ... nostalgia da partida.

- Nossas férias ainda não terminaram.

- Eu sei mas ... eu ficava aqui para todo sempre.

- Para sempre? - zombou de meu exagero - E a sua pipoquinha?

A culpa invadiu-me de rompante. A nossa viagem estava sendo tão maravilhosa que eu nem sentia saudade da pipoquinha.

- Acredita que ... a maior parte do tempo nem lembro dela.

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