Capítulo 17 - O festim dos reis

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O sol ainda não havia despontado no horizonte, para aquecer um pouco aquela madrugada congelante, quando Sir Alfred foi convocado por dois cavaleiros a se retirar dos seus aposentos quentes e aconchegantes no alojamento, ao lado da cavalariça nos jardins reais, para se encontrar com o rei Tenemur II no grande salão, após uma noite agitada pela presença do rei Bárbaro e de sua família no castelo real. Certamente o haviam chamado para cumprir mais alguma tarefa tola para satisfazer a vontade do rei, agora dos reis, pois havia passado a noite inteira, antes de ser liberado para ir dormir, paparicando os dois homens mais odiosos que ele já conhecera na vida.

Sir Alfred não estava nada contente com a atitude inconsequente tomada pelo rei Tenemur II, convidar um inimigo para dentro das muralhas do reino era como se ele pedisse de mãos abertas para que cravassem uma espada em seu peito, mas mais do que isso, era uma desonra para ele ser obrigado a servir o assassino do rei Tenemur I, para ele, aquele sim foi um rei de verdade. Bem, desde que toda essa agitação não lhe causasse mais problemas, principalmente com o plano que armava para se concretizar durante as festividades daquela noite, ele aceitava se sujeitar a esses tipos de préstimos. Todos esses pensamentos conflitantes lhe causaram uma noite mal dormida, entre idas e vindas pela cidade resolvendo seus próprios problemas, além de Sir Alfred ainda não ter se esquecido do seu encontro com o príncipe Krayvhus no jardim, receber ameaças de um jovem mimado era o fundo do poço, e ser chamado àquela hora da madrugada só piorava as coisas e já indicava que o dia seria bem difícil.

O Lorde Comandante se levantou, a contragosto, agradecendo por ter preferido dormir no alojamento do que na companhia de sua velha mãe, Águeda, já que sabia que não tardaria a ser convocado novamente para mais algum motivo desnecessário, pelo menos estava ao lado do castelo. Colocou a armadura prateada que deixara de lado sobre seu jaquetão e suas roupas de baixo, cobrindo todo seu torso, até aos joelhos; sobre a armadura vestiu sua toga azul com a heráldica que o identificava como tal, honraria recebida nos tempos de glória do Reino da Prata Azul, durante a Grande Guerra, pelo próprio rei Tenemur I, pela lealdade e serviços prestados, em outras palavras, pela quantidade de sangue dos inimigos que ele derramou em nome do rei, seja de elfos, anões ou mesmo de outros homens, homens estes que agora estavam sob o mesmo teto que ele, Sir Alfred não perdia uma oportunidade de se lembrar deste detalhe. Calçou suas botas de couro curtido sobre suas meias de lã e seguiu para o grande salão. Não sem antes pegar sua mais leal aliada, a Empilhadora, a espada que herdara de seu pai e que o acompanhava desde que era um simples soldado de infantaria e o ajudara a subjugar todos os seus inimigos, nunca havia perdido uma batalha, e se honrava muito disto.

No meio do caminho, antes mesmo de chegar ao grande salão, Sir Alfred já conseguia ouvir a algazarra vinda de lá, causada provavelmente pelos dois velhos reis bêbados, certamente viraram a noite na bebedeira. Sir Alfred se enfureceu mais ainda ao perceber como Tenemur se comportava diante de seus inimigos declarados, bem, pelo menos ele sabia que seu rei ainda estava vivo, aquela gargalhada esganiçada era inconfundível.

Ao chegar ao grande salão, percebeu uma grande movimentação de cavaleiros negros do Reino do Carvalho Negro e cavaleiros prateados, da sua própria ordem, guardando o local, alguns cochilavam encostados às paredes de pedra, mas Sir Alfred não os julgava, afinal, era um desgaste desnecessário manter sua tropa ali por uma noite inteira apenas para uma noite de bebedeira real.

Aos cumprimentos dos cavaleiros prateados que estavam acordados, e sob os olhares suspeitos dos cavaleiros negros, que sempre mantinham umas das mãos sobre suas bainhas, prontos para sacarem suas espadas ao menor indício de uma traição por parte do Reino da Prata Azul, as portas gigantescas do grande salão foram abertas e a algazarra se extinguiu por um momento, assim que os dois reis notaram sua presença. Eles estavam sentados em uma pequena mesinha provisoriamente colocada para eles, abarrotada de comida e bebida. O rei Tenemur estava na cabeceira de cima, com os botões de sua túnica se esforçando para manter sua enorme barriga, agora ainda maior depois de litros e litros de vinho ingeridos, dentro dela. O rei Bárbaro estava na cabeceira de baixo, de costas para ele, de forma que só conseguia ver a silhueta de sua mão enrugada, delicadamente acomodada sobre o braço da cadeira acolchoada que estava sentado, segurando um cálice de vinho aparentemente vazio, quase oculto em meio à escuridão que tomava o salão pouco iluminado por alguns archotes no local.

A Espada de Prata - O arauto do geloOnde histórias criam vida. Descubra agora