Capítulo 14 - Descobertas noturnas

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Ethel estava sentada em sua cama de madeira, de castigo mais uma vez, em cima de um macio colchão de plumas de ganso, tão fofo que ela afundava na sua maciez. A janela do quarto, no segundo andar, estava semiaberta, mas a noite estava nebulosa e a claridade que entrava por ela não mudava praticamente nada o breu do seu quarto, um pouco apaziguado por uma pequena vela sobre um castiçal que segurava com uma mão, enquanto tentava ler com dificuldade o velho livro do Bardo Raven e descobrir algo novo. Aos seus pés, sobre um tapete felpudo, se encontrava Ferdinando, seu gato rajado e peludo, que dormia mais uma vez.

Ela estava irritada, se sentindo sufocada por um grande laço que dava a volta em sua cintura, deixando aquele vestido pesado e de tecido grosso, que havia sido obrigada por Miss Marple a vestir a pedido de sua mãe, com uma aparência ainda menos condizente com ela. Sua vida com sua mãe sempre foi conturbada, quando criança Ethel queria brincar nas ruas com os garotos, mas não era digno de uma dama como ela, principalmente sendo filha de uma duquesa; queria ir pescar no velho Lago Lamacento, mesmo todos sabendo que lá não havia peixes, mas não era uma prática feminina, nem da nobreza; correr pelos campos de trigo e cevada, nunca; andar a cavalo, apenas com um adulto guiando as rédeas; esgrima, então, era uma abominação. Tudo o que sua mãe queria era que ela se portasse como uma dama recatada, se casasse com um jovem príncipe e que ela, Victoria, vivesse bem rica e feliz para sempre. Talvez tudo fosse agravado pelo fato de que Victoria sempre soubesse que por Ethel ser mestiça, nunca um príncipe se casaria com ela, já que, por mais que sua mãe tentasse esconder de todas as formas, e de fato muitos ainda tinham dúvidas das origens de Ethel, era inegável, por suas orelhas pontudas, que ela era descendente dos elfos, um povo violento e inimigo declarado de todos os reinados de Malicerus, mesmo suas orelhas geralmente estando ocultas por sua cabeleira ondulada.

Ethel folheava vorazmente as páginas do velho livro de título, Legado de sangue, mas sempre encontrava apenas os mesmos relatos, homens invasores assassinos de anões e elfos, de centauros e de todos os tipos de seres que viviam pelo continente. Seus pensamentos não paravam de pensar na quantidade de barbáries descritas naquele livro. Será que o Bardo Raven havia sido executado por espalhar uma verdade que os reis queriam esconder, ou por espalhar uma falsa verdade? Mas outras coisas também a intrigavam, por que seu pai tinha acesso àquele livro se ele pertencia ao acervo secreto do castelo? Por que Victoria ainda o mantinha guardado no porão? E por que Krayv andava interessado em história repentinamente? Ela gostava do amigo, talvez até demais, mas sabia de seu egoísmo e de sua inveja do irmão mais velho, príncipe Valerian, que um dia assumiria o trono e sempre era alvo das atenções de todo o reino.

Ao folhear mais uma página, encontrou uma pequena assinatura à tinta vermelha, meio borrada; não era a caligrafia original que o livro havia sido escrito. Ethel aproximou a vela da escrita, tentando decifrar do que se tratava, até finalmente conseguir ler, era um nome, e o nome era Tanelorn. Tanelorn? Ethel buscou na memória por alguma pessoa com esse nome, mas não se lembrou de ninguém, até subitamente ela associar o livro roubado ao pai, talvez este fosse o nome do pai de Ethel, o elfo fugitivo que nunca mais havia retornado ao reino, por motivos óbvios, claro; nome esse nunca revelado por sua mãe. Na próxima oportunidade questionaria ela sobre o assunto, no momento só pensava em remexer um pouco mais nos pertences do pai, misteriosamente guardados por sua mãe no porão, será que teria algo de valor entre eles?

Uma voz distante foi ouvida, quase um sussurro, parecia vinda da porta de sua casa, no andar de baixo. Ethel se levantou, deixou a vela sobre uma mesinha ao lado da cama, e seguiu cautelosa e silenciosamente até a janela entreaberta, afastou levemente as cortinas e espiou apreensiva, afinal, quem estaria visitando sua mãe aquele horário? Não dava para ver nada na escuridão, mas após a porta principal bater, ouviu o som ressoante, pesado e abafado de uma armadura andando pela rua calçada de pedra. Um cavaleiro prateado atravessou a rua e se dirigiu até a um cavalo com as rédeas presas a uma estaca de madeira, no meio do caminho ele olhou para trás, como se desconfiasse de algo. Ethel se escondeu assustada, com medo de ser detectada e pelo fato de ter achado que havia reconhecido o cavaleiro que estava frequentando sua casa tarde da noite: seria Sir Alfred, o Lorde Comandante? Ethel sabia que ele, assim como sua mãe, eram conselheiros do rei Tenemur, mas, se fosse ele mesmo, que assuntos eles teriam para tratar aquele horário que não poderia esperar até à próxima reunião do conselho?

Ethel, ouviu uma movimentação no corredor do lado de fora do seu quarto, provavelmente era Victoria que vinha para averiguar se ela estaria vestida adequadamente para cumprir seu castigo. Ethel assoprou a vela do castiçal, pulou sobre Ferdinando que ainda dormia tranquilamente no tapete, e se deitou em sua cama, sobre o livro do bardo, fechando os olhos. Segundos depois, a porta do seu quarto se abriu e ela ouviu alguém entrar, caminhar até a janela e fechá-la, em seguida cobri-la com um manto quente. Provavelmente era Miss Marple, sua mãe nunca se daria ao trabalho, mas Ethel apenas continuou fingindo que dormia, não queria levantar suspeitas.

A Espada de Prata - O arauto do geloOnde histórias criam vida. Descubra agora