Era uma noite escura e fria de inverno. O céu era iluminado vez ou outra por um raio, anunciando mais uma tempestade torrencial iminente, comuns na região norte de Malicerus naquela época do ano. O vento uivava distante, como um prelúdio do que estava por vir. Uma névoa pesada encobria ainda mais a visão de qualquer desafortunado que passasse por aquele reino recentemente assolado pela guerra. O frio, congelante e implacável, dificultava até mesmo o simples ato de se respirar.
Naquela noite agourenta, saindo de dentro de uma densa floresta tão ameaçadora quanto à tempestade que se anunciava, surgiu uma figura esquálida que corria desesperadamente: ele era mais alto que um homem comum, mais magro que um elfo desnutrido, mais velho que qualquer ser vivente que se tinha notícia, possuía cabelos e uma longa barba grisalhos, e estava com uma aparência cansada; usava uma túnica e um chapéu pontudo cinzas que já haviam presenciado dias melhores. À tiracolo trazia uma lanterna de metal escurecido, mas a vela dentro dela já havia se consumido totalmente e apagado há tempos, nem ele mesmo sabia como havia conseguido se guiar até a saída através das brumas daquela floresta maldita e traiçoeira que deixava cada vez mais para trás. A brancura da capa que o protegia, presente de um velho amigo que não estava mais entre eles, já quase não podia mais ser vista, encoberta por lama e sangue, advindos da recente batalha travada no Véu da Neblina. Trazia junto consigo, em uma das mãos, uma espada azulada reluzente que empunhava em posição defensiva, como se esperasse que a qualquer momento algo surgisse para atacá-lo; na outra mão trazia um cajado de madeira nodoso e desgastado, um bom apoio para um velho cansado.
O velho continuou correndo tropegamente por um grande campo aberto coberto por relva, pedras, raízes e ervas daninhas que o açoitavam com seus espinhos, cortando suas vestes e sua carne. Era como se sua vida dependesse do quão longe cada passada de suas pernas pudesse alcançar, e nenhuma gota de seu sangue que caia no solo o faria titubear.
A figura sofrida prosseguiu no seu ritmo por um longo tempo até chegar a uma estrada de terra batida. O caminho estava deserto, mas, mesmo pressentindo o quão ruim aquilo significava, tratou de seguir por ele. A exaustão lhe consumia, a dor dos seus ferimentos o tentava a fazer uma pausa na longa jornada até ali, mas ele sabia que não havia mais tempo, pois o peso que carregava consigo não era apenas o do metal de uma simples espada, era o de ser o último conhecedor do que estava chegando e do que se escondia além do Véu. Todos os seus aliados foram mortos lá, a visão aterradora dos companheiros caindo em batalha ainda era presente em sua mente, o fogo e o sangue também, bem como a escuridão opressora vinda da Fenda do Dragão e que tomava conta de tudo, e de todos.
— Tenho que conseguir... tenho que conseguir... — Era a única coisa que se podia ouvir sendo balbuciada por ele em meio aos estrondosos trovões cada vez mais próximos.
Durante seu árduo trajeto, uma tempestade pesada desabou sobre o velho, lavando a terra e o sangue que cobriam seu corpo e seu rosto. Os açoites da água sobre ele eram como um alento diante da aparência grotesca que carregara até então, mas o peso de suas vestes encharcadas não ajudava muito no seu martírio, e a estrada, já rapidamente transformada em um lamaçal pela constante chuva, fazia-o sentir que o ritmo dos seus passos estava ficando cada vez menos cadenciados, mesmo ele se esforçando para fazer o contrário.
Contudo, após tudo o que havia passado, o sofrimento do velho parecia estar chegando ao fim, pois depois da longa jornada guiado pela fraca chama azul que se propagava da espada, finalmente avistou sua primeira parada: um pequeno e acolhedor vilarejo na base da Montanha Azul. Ele ainda manteve a espada em punho, mesmo temendo que a claridade da lâmina atraísse alguma atenção indesejada, prosseguiu até a guarita, que estava estranhamente vazia, e adentrou na vila de onde sua mente tentava buscar por boas lembranças. Andar pelas vielas escuras e enlameadas que cortavam as várias casinhas de pedra e madeira, amontoadas umas do lado da outras, o fazia pensar no quão bom seria finalmente poder se sentar ao lado de uma lareira e um caldeirão de sopa quente de legumes na taverna mais próxima, porém ele sabia que o motivo de estar ali não era tão agradável, tampouco duvida se teria tempo para tal deleite; principalmente porque, logo que adentrou na vila, percebeu que algo estranho estava no ar: em uma noite fria de inverno e com a chuva que começara a cair, não havia sinal algum de fumaça no topo das chaminés de nenhuma das pequenas casas.
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A Espada de Prata - O arauto do gelo
FantasíaEm uma era sombria marcada pela guerra, após cair em uma armadilha, Alexander Muller, um jovem morador do Reino da Prata Azul localizado no místico continente de Malicerus, acaba sendo separado de sua família e de seus amigos, e é enviado como um cr...