Capítulo 20 - A alquimia do mingau

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Sentado em um banquinho de madeira de pernas bambas, visivelmente inadequado para seu tamanho, no balcão da aconchegante taverna da vila leste, se encontrava o velho conselheiro do rei, oculto pelo capuz do manto preto em péssimas condições que cobria todo o seu corpo, enquanto aguardava a chegada do seu pedido, após uma longa viagem do Reino do Mar Revolto até ao Reino da Prata Azul; atualmente sua aparência estava pior ainda, agora coberto de resquícios do feno úmido que forrava a carroça que o trouxera, e talvez até de fezes de rato. Como o dia não havia amanhecido totalmente, a taverna ainda estava quase vazia, exceto por dois cavaleiros de armadura prateada sentados em uma das mesas, mas o velho tinha certeza que eles não estavam lá apenas para fazer o desjejum.

Mais cedo, depois de descer da carroça de carga que o havia transportado até ali, ele havia caminhado até a estalagem local para se informar se certo alguém ainda estava refugiado por lá, mas quem ele procurava já havia partido há duas estações, todavia o estalajadeiro o informou que o indivíduo ainda frequentava bastante a taverna, e que, inclusive, há poucos dias o havia avistado por lá, o que significava que ainda estaria no reino, ou em alguma fazenda próxima.

Após alguns minutos de espera, e enquanto a taverna recebia mais dois clientes, o taverneiro, um sujeito baixinho, careca e quase sem dentes, envolto em um avental sujo, trouxe uma tigela fumegante de um gosmento mingau de aveia e mel, uma refeição digna de um conselheiro real. A tigela foi depositada diante da barba grisalha e comprida do velho, que rapidamente agarrou uma colher de madeira e começou a comer o mingau, em sua viagem em meio aos ratos não conseguiu se alimentar adequadamente. Após comer metade do mingau, e após o taverneiro voltar para detrás do balcão após atender seus clientes, o velho o chamou até perto dele e sussurrou:

— Que mingau de aveia delicioso... Por acaso saberia me informar a alquimia do mingau?

O atarracado e rechonchudo taverneiro quase deixou uma pilha de pratos que carregava em seus braços curtos cair. Ele depositou os pratos sobre o balcão, trêmulo, e sussurrou:

— Shiuuu... Por favor, tem guardas aqui, não diga esta palavra proibida.

— Qual palavra? Mingau? — brincou o velho.

— Está caçoando de mim, velhote? — respondeu o taverneiro irritado.

— Me desculpe, estou há algumas estações ausente do reino, ainda estou me situando do que anda acontecendo.

— Então não me coloque em perigo — disse o taverneiro, voltando a sussurrar logo em seguida —, mas se quer saber, o rei anda caçando qualquer desgraçado envolvido com "certas" atividades que prefiro não citar, a simples menção de "certas" palavras é proibida. Há boatos de que várias pessoas foram levadas para as Minas de Prata apenas por fazer isto.

— Pura especulação. Não creio que seja exatamente assim, conhecendo bem o rei Tenemur como eu conheço, certamente as pessoas punidas tiveram algum grau de envolvimento mais profundo do que simplesmente mencionar uma palavra qualquer.

— Me perdoe — disse o taverneiro em tom de desprezo, reparando nas vestes do velho sobre o banquinho com mais atenção —, mas não imagino que um velhote tão esfarrapado saiba de muita coisa sobre como funcionam as demandas da realeza. A propósito, percebo que não é daqui, e olhando bem para seu aspecto nada agradável, como pensa em pagar pela comida? Tem dois guardas ali, se for um caloteiro, já vou avisando que não vai sair daqui sem uns belos sopapos.

O velho depositou a colher de madeira na tigela de mingau calmamente, já estava acostumado com aquele tipo de ofensa, principalmente por não sair pelos quatro cantos ostentando sua função no reino, nem se vestir como tal, mas a cena do homenzinho era muito engraçada; colocou as duas mãos sobre seu capuz e o puxou levemente para trás, de forma que seu rosto enrugado ficasse parcialmente exposto assim como sua barba sempre ficava. O velho então olhou profundamente nos olhos do taverneiro, que mesmo em pé, ainda tinha que erguer a cabeça para olhar para ele. A expressão no rosto do taverneiro foi de espanto e paralisia, seguido de um acesso de gagueira, o velho sabia como seu olhar por vezes causava este tipo de reação nos homens. Após parar de gaguejar, o taverneiro conseguiu formular uma frase, se esquecendo do protocolo sussurrante que seguia:

A Espada de Prata - O arauto do geloOnde histórias criam vida. Descubra agora