Após mostrar a torre destinada aos aposentos da família real do Reino do Carvalho Negro aos cavaleiros, acomodar toda a família do rei Bárbaro e deixar o próprio na sala do trono para uma reunião amistosa com Tenemur regada por muito vinho, comida e moçoilas condadenses, Sir Alfred saiu do castelo, já tarde da noite, passou rapidamente por sua casa para tomar um ensopado de coelho, e seguiu cavalgando pelas ruas escuras, silenciosas e geladas até próximo de uma casa nobre de dois andares, um pouco antes da praça de pronunciamentos reais, sempre espreitando pelo caminho, em busca de alguém que poderia o estar observando, mas, naquele momento, todos os cavaleiros estavam com a atenção voltada para a sala do trono, e a população, em sua maioria, já estava dormindo.
Sir Alfred desceu do cavalo, prendeu suas rédeas em uma estaca de madeira, atravessou a rua e bateu à porta da luxuosa casa destinada. Uma criada idosa, que já o esperava, o recebeu.
— Boa noite, Miss Marple — disse ele —, preciso falar com...
— Por favor, entre — interrompeu a criada apreensiva —, ela o está esperando na sala de jantar.
Sir Alfred adentrou na grande sala, não sem antes olhar para um lado e outro da rua, e acompanhou Miss Marple em um ritmo vagaroso até a sala de jantar adjacente, onde Victoria o aguardava com uma expressão séria, sentada à uma longa mesa de madeira vazia, exceto por alguns candelabros sobre ela.
— Está atrasado, sente-se — resmungou Victoria —, nos deixe a sós, Miss Marple.
— Claro, com licença, minha senhora, vou preparar uma ceia para os senhores — respondeu Miss Marple, lançando um olhar desconfiado para Victoria e depois para Sir Alfred, em seguida deixando o aposento.
— Você confia tanto nela? — perguntou Sir Alfred, sentando-se na cadeira em frente à duquesa.
— Sir Alfred, não confio nem em minha sombra, mas Miss Marple já está na família há décadas, não precisa se preocupar quanto à suas visitas casuais, se depender dela, ou de mim, nunca serão de conhecimento do nosso "amado" rei.
— Sobre aquele assunto, chegou o momento, temos que dar um jeito de pegar o livro.
— E como pensa em fazer isto bem debaixo do nariz do rei? — perguntou Victoria cética.
— Eu tenho um plano, estou investigando os passos do jovem príncipe Krayvhus, parece que ele vai fazer o trabalho sujo por nós. É mais fácil roubar um jovem impertinente do que o próprio rei, convenhamos.
— E você acha que ele vai conseguir?
— Com a ajuda da sua filha, talvez, ela é muito esperta.
— Aquela garota tola? Arrependo-me de não ter deixado o rei matá-la, é uma mestiça insolente. Acredita que ela trouxe aquele garoto aqui outra vez? Eu a coloquei de castigo até segunda ordem.
— Eu sei, o encontrei nos portões da muralha mais cedo, mas isso é bom, você vai entender tudo na hora certa. O que você precisa fazer agora é liberar Etheldreda do castigo, pode a deixar seguir com o príncipe amanhã cedo, acredite em mim, antes que o sol nasça ele estará aqui, batendo à sua porta para o treino. — Sir Alfred sorriu maliciosamente.
— Treino? Que treino? — perguntou Victoria. — Não acredito que aquela garota selvagem continua treinando com espadas, eu a proibi.
— Isto não é importante, depois que pegarmos o livro nada mais importará. E essa amizade deles será necessária.
— O que tem em mente? — perguntou Victoria desconfiada, se levantando e seguindo até próximo da cadeira de Sir Alfred, arrastando seu pesado vestido dourado, que apertava sua cintura e ressaltava suas ancas e seu busto, pelo assoalho de madeira. — Conheço cada expressão desse seu rostinho perverso, Sir Alfred.
— A duquesa sabe, o de sempre — respondeu o Comandante, se levantando e se ponto frente à Victoria, quase encostando seu nariz adunco no nariz pontudo dela — precisamos de alguém para morrer na fogueira como o Bardo Raven, ou para ser culpado de todos os crimes, como Tanelorn...
— Não fale esses nomes aqui, por favor — ralhou Victoria. — E você sabe que o Bardo morreu pelos crimes que ele mesmo cometeu contra a coroa, não tenho nada relacionado a isso.
— É, mas se esqueceu de quem foi que o entregou? E por qual motivo? Além do nível de relacionamento entre você e Tanelorn?
A duquesa Victoria deu um tapa com sua mão enluvada no rosto de Sir Alfred, que apenas continuou a olhando cinicamente, como se tivesse gostado da reação da duquesa.
— Como se atreve? — esbravejou Victoria.
— Vamos mudar de assunto, deixar isso para outro dia, eu sei que falar sobre o Bardo e Tanelorn é um assunto que a desagrada, mas você fica mais linda ainda quando está irritada — respondeu Sir Alfred, agarrando Victoria pela cintura com uma mão e arrumando uma mecha do cabelo dela que havia se desprendido do coque que ela usava com a outra. — Temos assuntos mais importantes para tratar...
— Agora não — disse a Duquesa, se desvencilhando dos braços do cavaleiro com desdém. — Minha filha está em casa, é melhor você se retirar, não podemos levantar suspeitas. Não seria conveniente que soubessem que os dois conselheiros mais fiéis do rei estão se encontrando às escondidas, poderia levantar alguma suspeita.
— Fidelidade é uma palavra muito forte para se usar, duquesa, e acho que se esquece de que o conselheiro mais fiel do rei não sou eu e nem você — debochou Sir Alfred.
— Ah, claro, só Tenemur mesmo para nomear aquele velho mago como conselheiro — sibilou Victoria. — Ele nem permanece no reino, há meses não participa de uma reunião do conselho, além de viver envenenando a mente do rei com idiotices mágicas, o fazendo querer mais e mais poder, enchendo a cabeça dele de histórias...
— Victoria, você sabe que não é bem assim, você sabe que aquela lenda da... Ah, esqueça... — começou a dizer Sir Alfred, interrompendo a fala devido ao olhar cético de Victoria. — Ainda vou te provar que ela existe, aquele livro é a chave para tudo. De qualquer forma, tenho mais o que fazer, e você sabe onde me encontrar, caso queira mais detalhes do plano, é claro, ou apenas para me beijar.
Sir Alfred deu um último sorriso sarcástico e saiu da casa da duquesa, a deixando esbravejante ao bater a porta da casa, seguiu até o outro lado da rua, olhou para trás com a sensação de estar sendo observado e montou em seu cavalo, partindo de volta ao castelo, onde Tenemur já deveria estar solicitando sua presença para mais uma tarefa indigna para um Lorde Comandante. Naquela noite, não conseguiria dormir em casa, teria que ficar no alojamento dos cavaleiros, junto à cavalariça nos jardins reais, mas no outro dia iria conversar com seu filho, Alfonse, longe da influência perturbada de Águeda, não iria permitir que ele fizesse parte daquele plano juntamente com o príncipe Krayvhus. Ultimamente, Sir Alfred andava muito atarefado, deixando o filho de lado, e como sua mãe já estava idosa e um tanto senil, não podia confiar plenamente na segurança tanto de um quanto de outro, não sabia qual deles era mais difícil de lidar.
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A Espada de Prata - O arauto do gelo
FantasíaEm uma era sombria marcada pela guerra, após cair em uma armadilha, Alexander Muller, um jovem morador do Reino da Prata Azul localizado no místico continente de Malicerus, acaba sendo separado de sua família e de seus amigos, e é enviado como um cr...