Capítulo 2 - O Porto de Agapanto

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A capital do Reino do Mar Revolto, ao extremo leste do Reino da Prata Azul, era uma grande cidade erguida de forma magistral parcialmente sobre as águas do Mar Turvo, ligando uma ilha, onde se situava um imenso castelo, até as altas falésias que cercavam aquela parte do continente de Malicerus. A capital era uma grande região portuária, que facilitava o trânsito e o transporte de tudo o que era extraído de Malicerus para o Velho Continente, bem como o transporte de mercadorias do Velho Continente para Malicerus por certo preço, é claro. Em outra pequena ilha adjacente ao castelo ficava uma alta torre cilíndrica, o Farol da Enseada, de onde uma chama eterna era abastecida ininterruptamente por trabalhadores dedicados a esta tarefa, e que servia como guia para as embarcações que ancoravam no porto.

O grande Porto de Agapanto, uma construção colossal de tamanho descomunal e que se estendia por toda a orla da grande cidade na beira do mar, mais parecia um pardieiro, ou melhor, um grande chiqueiro malcheiroso, sujo e abarrotado de pessoas dos mais diversos tipos, idades e aparências; caminhando pelos cais, descendo e subindo em pequenos barcos pesqueiros ou em enormes embarcações cargueiras, indo e vindo do Velho Continente. Diziam que tudo podia ser transportado naquelas grandes arcas que com as simples ondas que batiam nelas sacolejavam mais que montar no lombo de um bisão da neve selvagem. Imagine essas coisas em alto mar; era o que pensava um velho coberto com um manto preto de aparência desgastada, sentado sobre uma caixa de madeira vazia, mas onde se normalmente guardavam peixes, fazendo com que o cheiro que se exalava dela fosse intragável até para os mais otimistas, mesmo assim ele se mantinha lá, calmamente, esperando enquanto dava uma tragada em um velho cachimbo de madeira; sua barba longa e grisalha era a única parte visível através do imenso capuz sobre sua cabeça.

O velho estava sentado diante da grande ponte que ligava o Castelo-Forte ao porto, ao lado de um estandarte de vários metros de altura onde no alto dele trepidava uma flâmula branca com o brasão de um farol. Aguardara durante todo o dia pelo retorno de dois velhos companheiros que não via há muito tempo, mas que sabia que estavam lá, enquanto a todo o momento era quase pisoteado por alguém, ou atropelado por uma carroça carregada, em meio ao caos de pessoas, pombos que defecavam em qualquer lugar, garças que davam rasantes sobre os carregamentos de peixes e gatos de rua prontos para surrupiar qualquer alimento que caísse no chão. As madeiras aos pés do velho trepidavam e rangiam perigosamente com cada carregamento que passava, e por entre as pequenas frestas entre as tábuas desgastadas dava para se ver a imensidão do abismo que separava o mar do porto, principalmente devido sua visão aguçada.

Após muitas horas, inebriado pela maresia salgada que tomava o Porto de Agapanto e já com o traseiro doendo de tanto ficar sentado na mesma posição, o velho observou uma luxuosa carruagem surgir ao longe, puxada por dois cavalos, com o brasão do Reino da Prata Azul, uma espada dentro de uma coroa. A carruagem atravessou toda a extensão da ponte que ligava o castelo até ao porto. Quando a carruagem se aproximou do porto, e dele, o velho se levantou e se colocou na frente do veículo abruptamente.

— Sai da frente, velho! — gritou o jovem cocheiro que conduzia a carruagem, puxando as rédeas dos cavalos para não atropelar o ancião no último instante.

O velho deu sua última baforada no cachimbo, guardou-o calmamente em algum bolso perdido entre os panos que constituíam suas vestes e disse:

— Uma carona para um velho cansado até a capital do Reino da Prata Azul, por favor, tenho certeza que há uma vaga neste veículo.

— Não transportamos mendigos, velhote, dá o fora da nossa frente ou vamos passar por cima — disse o cavaleiro prateado sentado ao lado do cocheiro.

— Eu insisto — pediu o velho se aproximando mais ainda da carruagem. — o rei Tenemur II me aguarda, e se não sairmos agora me atrasarei. Percebo que são novos em suas funções, já vou avisando que o rei não tolera atrasos, nem os meus.

A Espada de Prata - O arauto do geloOnde histórias criam vida. Descubra agora