Capítulo 27 - As muralhas

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Sir Alfred aguardava no alto da torre de guarita esquerda, após a enfadonha tarde de reunião do Conselho. A torre era cilíndrica e apertada, mas levava até ao topo das muralhas de pedra através de uma escadaria íngreme e circular. No topo das gigantescas muralhas, um verdadeiro bastião fortificado que cercava toda a cidadela, ficava um longo caminho de ronda e de acesso extremamente restrito, como uma rua entalhada na pedra, que ligava todos os portões: sul, leste e oeste; o caminho sobre as muralhas era tão largo que facilmente comportava imensas catapultas e outras armas de artilharia pesada que ficavam sobre elas, todas abandonadas e atualmente inutilizadas. No auge da Grande Guerra, aquelas muralhas haviam sido utilizadas como vantagem contra ataques surpresa. Antes de morrer, Tenemur I se gabava de nada ultrapassá-las, até um dia, após incontáveis vitórias no sopé da muralha, cometer o ato falho de atravessá-las e seguir até as Minas de Prata que sofriam um ataque do Reino do Carvalho Negro, onde o rei Bárbaro cravou uma espada em seu peito, obrigando Tenemur II a assumir o trono, resultando em um acordo de paz com o assassino do próprio pai, um grande ato de covardia.

Do alto das muralhas de dezenas de metros de altura, dava para se ver todo o Reino da Prata Azul, desde a parte interna da cidadela, com suas largas ruas calçadas de pedra, suas nobres casas luxuosas de madeira de vários andares com telhados entalhados, a praça onde o rei realizava suas oratórias na qual havia sido erguida a grande e vexatória estátua do rei Tenemur II montado em um corcel, e o imponente castelo central cercado por um verdejante jardim; até a parte externa das vilas, a enlameada e agitada vila oeste e a arborizada e pacata vila leste. Do portão sul se via as fazendas e campos de trigo e cevada, que daquela altura formava um agradável tapete natural em tons de marrom e verde, onde grandes batalhas aconteceram no passado. Ao redor do topo de toda a muralha ficavam as ameias, grandes aberturas no parapeito que eram utilizadas estrategicamente em batalha, principalmente para o posicionamento de arqueiros e sentinelas; e finalmente a grande trombeta localizada exatamente no alto do portão sul, trombeta esta que anunciava ataques ao reino com antecedência e que não era mais tocada desde a trégua do Reino do Carvalho Negro, há cerca de uma década; quando uma tropa inimiga adentrava na região do reino e era avistada por qualquer cavaleiro em uma das diversas torres de sentinela espalhadas por diversos pontos estratégicos ligando toda a rota da cidadela até as Minas de Prata, as trombetas reverberavam no horizonte, uma após a outra, até chegar à grande trombeta, que estremecia até as casas mais distantes ao soar. Atualmente, com o fim da guerra, as torres de vigia estavam todas abandonadas, a maioria em estado de calamidade, poucas ainda restavam de pé, servindo estas apenas como monumentos de lembrança de uma era sangrenta que havia ficado para trás, por pouco tempo se dependesse de Sir Alfred.

Em um longínquo panorama sul se via a faixa azul do grande rio de água pura e cristalina, que abastecia o reino, ligado por aquedutos subterrâneos ou suspensos que serviam de uso para as plantações e para a cidadela. O abastecimento de água das vilas próximas ficava a encargo de poços, ou, em outros tempos, pelo Lago Lamacento, até ele ficar misteriosamente impróprio para consumo humano.

O Lorde Comandante estava exatamente no meio do caminho até o topo da torre de guarita, uma antessala com altura suficiente para se manter oculto, mas que ao mesmo tempo também não o impedia de reconhecer os transeuntes que atravessavam o portão oeste já fechado para as cerimônias daquela noite. Ele observava entediado a rua abaixo, já vestindo sua túnica azul de festa sobre a armadura, aguardando o retorno do príncipe Krayvhus que havia seguido mais cedo até a vila oeste oculto em sua capa, antes de os portões se fecharem; a Empilhadora, sua fiel espada, estava sempre ao seu lado. Assim que o príncipe retornasse, ele iria segui-lo discretamente, acompanhando todo o processo do roubo do livro misterioso e daria sequência ao seu plano. Se realmente Krayvhus conseguisse roubar o tal livro, tinha que estar presente para tomá-lo para si, após anos e anos sem uma oportunidade de colocar as mãos na chave da sala da Ordem, que só era frequentada por ele durante raras ocasiões e sempre na presença do rei e de todo o Conselho; aquele era o momento perfeito, colocar as mãos no livro era o início de um complexo plano que tinha em mente. Ainda tinha que impedir seu filho cabeça oca de se juntar ao grupo de ladrões, já que, caso algo desse errado, o nome de sua linhagem seria comprometido.

A Espada de Prata - O arauto do geloOnde histórias criam vida. Descubra agora