Capítulo 1 - Bosque Central

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A noite estava agradável, nem quente, nem fria. O céu estava estrelado e juntamente com a lua cheia ajudavam a iluminar o caminho pelo chão de terra batida, entretanto não eram suficientes sequer para diminuir a escuridão da floresta assustadora que cercava os dois lados daquela estrada quase deserta. Da floresta só se ouviam os sons noturnos de uivos, piados de corujas e, vez ou outra, o estalo de galhos secos se quebrando.

Uma velha carroça de carga, puxada por apenas um cavalo magricela, seguia ao norte deixando uma fina nuvem de poeira escura para trás, rumo ao vilarejo do Bosque Central. Bosque Central se localizava ao extremo norte do Reino da Prata Azul, era um dos últimos lugares habitados pelos homens antes d'A Fronteira protegida pelo Condado de Asneiras. Esta era a maior distância que Alex já percorrera junto com seu pai, Artur Muller, o maior ferreiro de Malicerus, pelo menos para Alex. Estavam em busca de novas ferramentas para a pequena forja que Artur mantinha na vila oeste na capital do Reino da Prata Azul, muito distante dali. Bosque Central era uma grande referência em forja de metal, transformando-o em um ótimo lugar para se conseguir ferramentas de segunda mão, o que era o caso devido às condições precárias da família de Alex.

Durante o dia, Alex passara a viagem observando cada pedacinho daquele território desconhecido, cada árvore diferente e cada animal selvagem que fugia do trote barulhento do cavalo e do insistente ranger das velhas rodas da carroça. Quase não conhecia nada além da vila oeste, e o máximo que conseguia explorar com seus amigos eram as florestas em torno de onde morava, nada excepcionalmente empolgante. Com o cair da noite, Artur começara a contar algumas histórias sobre Malicerus enquanto conduzia a carroça com mais cautela; algumas histórias assustadoras sobre elfos selvagens que atacavam viajantes desavisados, outras engraçadas sobre bardos bêbados que contavam lorotas em troca de ouro. Mas Artur sempre restringia o assunto a apenas isso, sempre que Alex se aprofundava muito na história real de Malicerus, que antecedia a era de paz que viviam, Artur desconversava:

— Eu era muito jovem, não há nada bom daquela época que valha a pena recordar. O que importa é que hoje estamos livres da guerra — dizia ele sempre com um vazio no olhar, o que obrigava Alex a apenas concordar com o que o pai dizia: sim, viviam em uma era de paz, sem guerra entre os reinos, ou entre os povos. Pelo menos dentro das fronteiras do Reino da Prata Azul, já que não conhecia mais nada além.

Enquanto o pai continuava conduzindo o veículo, Alex se deitou sobre as tábuas frias e sacolejantes da carroça e seguiu calado observando o céu sobre eles. Lembrou-se da sua mãe, que nunca conhecera, mas que entre todos os assuntos proibidos de se falar, este era o principal, falar sobre Alfina ou sobre sua morte era certeza de deixar o pai irritado. De vez em quando passava um vagalume errante acima dele, que ele sempre tentava pegar inutilmente. Alf, um grande amigo de Alex, dissera uma vez que pegar um vagalume trazia sorte, talvez por isso Alex sempre fora azarado. Em dado momento, Alex pode jurar que viu uma estrela cadente, outro sinal de sorte segundo o amigo. Fechou os olhos e fez um pedido, quem sabe tivesse mais sorte assim.

Passadas algumas horas, chegaram ao destino final. Alex só se deu conta disso ao acordar com o pai cutucando suas costelas incomodantemente. Já havia quase amanhecido. Os primeiros raios de sol despontavam no horizonte, rasgando o véu de escuridão que envolvia aquelas florestas sombrias. Na sua cabeça vinha a vaga lembrança de uma mulher o chamando. Talvez fosse de algum sonho que já não conseguia recordar com clareza.

— Está com fome, dorminhoco? — perguntou Artur.

— Um pouco — respondeu Alex sem muito ânimo enquanto se espreguiçava.

Alex voltou a sentar-se todo dolorido, enquanto o pai manobrava a carroça até, finalmente, chegarem ao Bosque Central e seguirem por entre as ruas apertadas do vilarejo, já movimentadas àquela hora da manhã. Eles continuaram por uma rua estreita, desviando de pessoas, patos e galinhas que insistiam em cruzar o caminho deles perigosamente, até chegarem a uma feira local. Não era tão grande quanto à da vila oeste, onde morava, mas conseguia ser tão ou até mais barulhenta e desorganizada que a tal. Artur parou a carroça na entrada do lugar, pois já não era possível prosseguir, e recomendou:

A Espada de Prata - O arauto do geloOnde histórias criam vida. Descubra agora