Capítulo 8 - Espadas e bolinhos

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Enquanto descascava batatas, Alf observava sua avó paterna, Águeda, uma velha senhora de idade avançada, pele enrugada e cabelos brancos presos em um grande nó frouxo no alto da cabeça, suas bochechas eram salientes e tão rosadas quanto às dele, vestia um longo vestido da mesma cor do saco de estopa usado para guardar as batatas e que se arrastava até o chão, coberto por um avental de retalhos coloridos feito por ela mesmo, além do que dava para se contar em uma só mão a quantidade de dentes em sua boca a cada vez que ela falava. Águeda mexia, com o auxílio de concha, um grande caldeirão fundo coberto de fuligem na parte externa, sobre troncos de carvalho negro, que produziam fogo como nenhuma outra madeira, em uma pequena área cercada de pedra, como uma lareira, destinada à preparação de comida, na cozinha de sua casa, ao lado de um pequeno forno de pedra onde se faziam os assados, pães e tortas, mas que naquele momento estava assando bolinhos deliciosos de espinafre, feitos pelo próprio Alf, aos quais levaria para os amigos no próximo treino na clareira, na manhã seguinte.

Todos os dias, Alf se oferecia para ajudar sua avó na cozinha e sempre aprendia algo novo com ela, sobre ervas, temperos e novas receitas de um velho livro que ela havia trazido do Velho Continente. O único problema disso era que seu pai, Sir Alfred, não podia nem sonhar que no lugar de ele estar se empenhado arduamente nos treinos para os testes da Guarda Real, ele estava cozinhando. Como Sir Alfred passava a maior parte do tempo se dedicando à sua função como conselheiro do rei, quase não ia à própria casa, e dormia sempre no alojamento dos cavaleiros, o que era muito conveniente para Alf. Na verdade, Alf associava essa indiferença e a relação conturbada que seu pai levava com sua avó ao fato de ela culpar Sir Alfred pela morte do seu avô, pai de Sir Alfred, ocorrido durante o final da Grande Guerra; tudo se acentuou ainda mais após a morte da mãe de Alf, quando ele ainda era criança, deixando toda a responsabilidade de sua criação nas mãos dela e da criadagem.

Naquela noite, preparavam coelho ensopado, e o caldeirão borbulhava com um cheiro que tomava toda a grande cozinha, na verdade o ensopado estava pronto há bastante tempo, mas Sir Alfred, que havia prometido jantar com eles naquele dia, estava atrasado, e sua avó decidira adicionar algumas batatas para engrossar o caldo.

— Alfonse — disse Águeda com sua voz rouca e doce, mas ríspida ao mesmo tempo —, já chega de batatas, vá pegar um pouco de manjerona, o caldo está um pouco insosso.

— Tudo bem, já volto — respondeu Alfonse alegremente, levando as batatas para sua avó e se dirigindo para a parte externa da cozinha, que desembocava direto em uma pequena horta vertical plantada em pequenos vasinhos dispostos em uma prateleira na parede que era banhada pelo sol todas as manhãs, pelo menos antes de o inverno chegar. Em frente à horta herbácea ficavam três troncos de madeira, envoltos em cordas grossas, onde Alf deveria estar treinando com a espada naquele momento, na verdade onde ele deveria treinar todos os dias, mas mais uma vez apenas ignorou a existência deles.

— Alecrim, alfavaca, endro, sálvia, erva-gateira... — dizia Alf, relembrando todos os nomes de ervas que sua avó já lhe ensinara, enquanto buscava a que lhe havia sido solicitada, uma ou outra ele não lembrava o nome. — Aqui! Manjerona.

Alf arrancou um punhado da erva e voltou saltitante para a cozinha, entregou a manjerona para sua avó, pegou uma pá de madeira, usada para retirar os assados, e seguiu até o forno de pedra, abriu a portinhola de metal — o cheiro de bolinhos de espinafre sobrepôs ao cheiro do ensopado de coelho —, e retirou uma assadeira cheia de bolinhos redondos e esverdeados de dentro dele; o aspecto não era dos melhores, mas tinha dado o seu máximo. Enquanto levava a assadeira quente cuidadosamente com o auxílio da pá até uma grande mesa retangular de carvalho que ficava no centro da cozinha, onde ele já havia organizado as tigelas de sopa e as colheres de madeira para o jantar, Sir Alfred adentrou na cozinha, ainda vestido em sua armadura reluzente e apertada, o que significava que ainda estava a trabalho.

— Alfonse, não era para estar treinando até minha chegada? — bradou Sir Alfred. — O que faz segurando uma assadeira de bolinhos e não uma espada?

Alf parou subitamente e engoliu em seco, depois olhou para sua avó, e em seguida novamente para seu pai, sem saber o que dizer. Alf tinha problemas com mentiras, não só não conseguia mentir como também não conseguia esconder seu nervosismo diante da situação. Como diria ao Lorde Comandante da Guarda Real que não queria se tornar um cavaleiro e que, a não ser obrigado na presença dele, jamais tocara em uma espada para treinar?

— Não seja duro com ele — interveio Águeda, deixando de lado o caldeirão de ensopado —, Alfonse vem fazendo o possível para treinar — mentiu ela. — Além do mais, ele é muito jovem ainda, não o pressione desta forma.

— Na idade dele eu já havia vencido uma batalha no campo de guerra. — Sir Alfred se sentou à mesa, enquanto Alf saía de seu estado catatônico, colocava a fornada de bolinhos sobre a longa mesa e sentava-se também, de frente ao pai, de cabeça baixa.

— Amanhã vou treinar com Krayv — disse Alf com uma voz quase inaudível, mas logo corrigiu: —, digo, Milorde Krayvhus. Ele está me ajudando a treinar há algum tempo.

— Ele e aquele garoto da vila oeste, Alexander, não é mesmo? — perguntou Sir Alfred.

— Sim, o pai dele sonha que ele entre para a Guarda Real, e a Etheldreda também treina com a gente, ela é muito boa com... — Alf levantou a cabeça em direção ao pai, percebendo um pouco tarde, pelo olhar dele, que tinha falado demais. — Quero dizer... Ele... Ela... Por favor, pai, não me proíba de treinar com meus amigos...

— Amigos?... Não se preocupe, Alfonse, pode ir treinar amanhã — respondeu Sir Alfred calmamente, para surpresa de Alf. — Eu só quero que fique em casa na hora da celebração no castelo, eu vou estar ocupado e não vou poder ficar de olho em você...

— Ele vai — esbravejou Águeda, que havia voltado a mexer vigorosamente o ensopado. — Quer dizer que acha seu filho grande o bastante para entrar em uma guerra, mas para ir sozinho a um baile idiota, com aquela gente que você vive cheirando o traseiro, ele ainda é muito criança? Não seja por isso, eu vou com ele. Estou precisando mesmo dizer umas verdades para aquele touro montanhês que se senta ao trono e se diz rei.

— Nunca permitirei que entre novamente no castelo — respondeu Sir Alfred. — Até hoje não consegui justificar ao rei como aquele penico fétido foi parar em cima do trono de prata, ele quase sentou-se sobre um monte de...

— Então está decidido, Alfonse irá com aquela jovem linda, filha daquela duquesa de nariz em pé, a quem você admira tanto. Eles já tinham combinado de ir juntos. — Águeda retirou o caldeirão esfumaçante do suporte sobre o fogo, com o auxílio de um pano velho, e o levou até a mesa. — Agora se sirvam, antes que esfrie.

Mais tarde, após todos comerem e Sir Alfred voltar ao seu trabalho, Alf saiu novamente para o pátio da sua casa, empunhando sua espada de madeira de treino, enquanto Águeda foi se deitar com a ajuda de sua dama de companhia, que cuidava de tudo na casa, exceto a parte da cozinha. Águeda já estava bem velha, mas se recusava a parar de cozinhar.

Alf parou diante das estacas de madeira, admirou um pouco a lua parcialmente encoberta por nuvens negras naquela noite gelada, depois se sentou em um banquinho ao lado da horta e ficou admirando a espada em suas mãos. Não era aquilo que ele queria, não queria ser obrigado a ferir alguém, mesmo sendo inimigo, apenas pela vontade do seu pai. Como ele diria ao pai que não queria entrar para a Guarda? Alf não via uma forma fácil de lidar com isso. Pelo menos tinha sua avó para protegê-lo. Largou a espada no chão e apenas abraçou os próprios joelhos, pensativo.

A Espada de Prata - O arauto do geloOnde histórias criam vida. Descubra agora