O príncipe Krayvhus estava parado, recostado na soleira da janela, no seu luxuoso quarto circular, no alto de uma das torres do castelo, observando o grande pátio abaixo dele, de onde se era possível visualizar, mesmo que precariamente devido à escuridão de uma noite enevoada, toda a extensão dos jardins reais, de suas grandes esculturas verdes e orgânicas, a cavalariça e o alojamento da Guarda Real, até aos grandes portões de ferro frontais, que davam acesso ao interior da muralha que cercava toda a extensão do castelo, além de uma pequena movimentação de cavaleiros, que perambulavam pelo gramado bem cuidado como se fossem minúsculas formigas, pois a grande maioria estava guardando o rei, caso algo desse errado na negociação. Ele estava mais uma vez repassando o plano do dia seguinte: despistar os guardas, enganar o rei, trocar as chaves, invadir a Biblioteca Real, descobrir como entrar na sala secreta e pegar o livro misterioso do velho mago conselheiro, para finalmente descobrir o que de tão importante ele guardava em suas páginas, se realmente os rumores que ele tinha ouvido fossem reais... Tudo isso seria realizado durante a cerimônia do seu irmão mais velho, Valerian, príncipe herdeiro do trono ao qual Krayv não considerava digno de tal encargo. Valerian sempre foi um fanfarrão medroso e, para Krayv, não cabia lugar para covardes no trono real. Para a realização de tal plano mirabolante ele precisaria da ajuda dos amigos, pois por algumas vezes já tentara concretizá-lo, mas o mais perto que já havia chegado da chave que seu pai carregava no pescoço foi quando ganhou um abraço dele, forçado por Aldara, rainha consorte e sua mãe, no seu último aniversário. De um modo geral sua relação com toda a sua família sempre foi muito caótica.
Já era quase madrugada, quando Krayv viu o cavaleiro que estava esperando chegar, adentrar através dos portões que se abriram rapidamente, cavalgar até a cavalariça, deixar seu cavalo e, no lugar de seguir para o alojamento dos cavaleiros ou para o castelo, seguir caminhando com sua armadura reluzente até um pergolado, uma estrutura trançada de madeira coberta de tumbergias azuis, próximo de um chafariz no centro do pátio. Krayv colocou sua capa preta da sorte, sorte porque sempre o ocultava tanto na escuridão dos corredores do castelo quanto nas vielas enlameadas quando precisava ir até às vilas no entorno da cidadela; caminhou até a porta, deu uma leve batida na madeira, encostou o ouvido esquerdo nela e aguardou, não houve nenhuma movimentação na área externa. Abriu a porta com cuidado e, ao sair, verificou que o guarda que sempre estava a postos na entrada do seu quarto, a mando do rei, é claro, dormia tranquilamente encostado na parede, de braços cruzados, babando através do elmo. A garrafa de vinho que contrabandeara durante o jantar e presenteara o guarda havia surtido efeito. Krayv colocou o capuz da capa e passou pelo guarda, descendo uma escadaria circular enorme, atravessando uma série de corredores e outros lances de escadas, sempre oculto nas sombras dos cavaleiros que à vezes passavam fazendo ronda, até chegar ao grande salão, de portas fechadas e altamente protegido por cavaleiros negros e prateados ao mesmo tempo, onde o rei Tenemur e o rei Bárbaro se encontravam reunidos para uma orgia de vinho e sabe-se lá o que mais. Ele decidiu tomar outro caminho, apesar de que havia uma passagem que dava direto do grande salão para os jardins reais, seria mais fácil dar a volta e passar pelas cozinhas com mais segurança.
Chegando às cozinhas, Krayv percebeu uma grande movimentação de criados, preparando ensopados, assados, pães doces e salgados, tortas e vários tipos de pratos para satisfazer os estômagos furiosos dos reis e para o grande banquete do dia seguinte. Passou correndo por entre os criados, que nem se preocupavam mais com a presença do príncipe fugitivo entre eles naquele horário, já que sempre Krayv usava aquele caminho como meio de fuga, ou simplesmente entrava lá para roubar comida para levar para as reuniões na clareira, e, às vezes, uma ou outra garrafa de um bom vinho do Velho Continente para subornar algum guarda que quisesse impedir o príncipe de exercer seu direito real de ir e vir livremente. Raras às vezes precisava recorrer ao seu estoque de moedas de prata para conseguir passagem, mas sentindo a necessidade não hesitava em fazê-lo quando encontrava um guarda ou criado que não se contentava com uma simples garrafa de vinho. Ele afanou um pedaço de pão doce coberto com mel e sementes de papoula, um dos seus preferidos, e seguiu mastigando até a saída das cozinhas, atravessou os jardins reais cheios de esculturas em arbustos verdejantes e caminhou até o pergolado onde encontrou Sir Alfred, antes mesmo de terminar de lamber o mel de entre seus dedos:
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A Espada de Prata - O arauto do gelo
FantasiEm uma era sombria marcada pela guerra, após cair em uma armadilha, Alexander Muller, um jovem morador do Reino da Prata Azul localizado no místico continente de Malicerus, acaba sendo separado de sua família e de seus amigos, e é enviado como um cr...