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Pela visão de Temrys

O chão era duro, e o cheiro dela não estava lá. Em vez disso, era um cheiro metálico que invadia minhas narinas sensíveis. Estiquei os dedos um pouco antes de abrir os olhos, dando com algo gelado. Quando ergui as pálpebras me dei conta do que era: metal. O metal de grades. Corri os olhos pelas paredes úmidas da prisão, sons de gotejamento cortando o silêncio sepulcral. Eu estava preso. Um desespero conhecido tomou conta de mim, onde estava Dianna? Me obriguei a levantar por cima dos joelhos bambos, me joguei contra o metal frio da grade para tentar ver as outras celas... não havia nada. Nenhum outro prisioneiro, nenhuma outra grade visível. Apenas aquele longo corredor... de onde eu havia vigiado uma vez. Eu estava na cela de Enolan.

Fechei os olhos para tentar me concentrar, me lembrar do que tinha me levado ali. Acordei com apenas duas coisas em mente: estava frio, e Dianna não estava ali, mas quando consegui focar em minhas lembranças, entendi.

Eu estava imobilizado por magia, depois de ser arrancado de Dianna. Ela se retraia de dor, e eu também. Eu conseguia sentir seu desespero, me debatia interna e externamente para alcançá-la, não importava o custo. Não importava que Velorn havia deslocado meu pulso para me fazer parar, só importava ela e mais nada. Até... que ela caiu. Dianna desabou no chão frio e caro daquela pequena casa da aldeia, a cabeça atingindo o piso tal brutalmente, que doeu em mim. Um grito esganiçado soou de algum lugar, talvez de mim mesmo. Quando percebi o que tinha acontecido, aquilo me deu forças. Em um segundo eu estava preso por Velorn, no segundo seguinte estava ajoelhado no chão, com o corpo inerte de Danna em meus braços. A lateral de sua cabeça sangrava, estendi meus dedos para curar. Mas Kali avançou. Praguejando, Darknid a seguiu, e quando percebeu que aquilo poderia piorar, ergueu seu poder para preservar o resto da pequena aldeia. Hyella e Cadium se aproximaram, formando uma barreira humana, e Kelly... riu. Com toda a arrogância que seu poder a fez ter, a caçadora violeta olhou para a filha desmaiada... e riu. E eu enlouqueci.

Liberei uma onda de poder tão forte, que nem eu soube controlar. Se Darknid não tivesse absorvido o poder junto com Velorn, estariam todos mortos.

— Valeu a pena?

A aspirante a rainha estava bem diante das grades, me observando de cima enquanto eu me recusava a olhar em seus olhos. Eu não olharia para aquele violeta traiçoeiro, não depois de todas as mentiras e enganações. Kelly usava um vestido pomposo como sempre, provavelmente recém saída de uma bela cerimônia com os belos aspirantes a governadores.

— Você tinha um lugar aqui Tems. Mas escolheu trair nosso reino, sequestrou minha filha com suas ideias!

Não pude conter o grunhido que cresceu em minha garganta, pelas mentiras que ainda jorravam de sua boca. Com certo esforço, me ergui do chão e colei a bochecha na grade, me permitindo apenas um grunhido de raiva antes de partir para a ironia e provocações.

— Só Danna me chama de Tems. E adivinha Kelly? Você afastou sua filha com as mentiras.

Forcei um meio-sorriso antes de me afastar para a parede oposta, oculta pelas sombras, havia um pequeno banheiro para me aliviar, nada que fazia menção a um banho ou uma pia para lavar as mãos. Encarei aquele chão de pedra. Pelo menos agora eu sabia que meu amor era correspondido. E se um laço forjado era tão forte quanto diziam nas histórias, nossas magias forçaram caminho uma para a outra... tive que lutar com minha mente para manter a concentração naquela conversa.

— Você envenenou a mente dela com ideias impossíveis.

Meu sorriso cresceu. A pequena caçadora violeta estava saindo do controle, e pela forma como Darknid olhou para a filha depois que nos separamos, eu soube que ele mesmo não concordava com aquilo. Era uma questão de tempo até sairmos daquela situação. Mas quanto tempo?

— Ela quis sair. Eu fui com ela para protegê-la, porque a amo.

Respirei fundo, não pretendia dizer aquilo. Não daquela forma, não pra Kelly. Eu queria que aquilo fosse algo especial, dito primeiramente para a própria Dianna... uma risada cruel saiu de Kelly.

— Não sabe o que é amor Temrys.

Aquilo era julgamento em seus olhos? Eu podia ver. As íris perigosas revelando pensamentos nunca antes ditos, outra verdade que ela mantinha escondida. Qual era o problema daquela mulher em confessar as coisas?

— Você era um fugitivo quando Velorn te adotou. E o que fez depois disso além de fugir? Quando seu povo entrou em apuros, você se escondeu. Usou seu poder para o seu bem, e não quis nem saber onde Darknid estava. Seu príncipe, o Micha que poderia ter salvo vocês. E quando o portal se abriu? Adorou ficar para trás não é? Queria não ter lutado?

Era isso mesmo? Kelly estava me chamando de covarde?

— E você caçadorinha, quantos da sua espécie matou para agradar Enolan? — Dei alguns passos para perto das grades, ser deixar meu queixo cair. — Acha que eu me escondi porque quis? Você teria me matado se tivesse chance. Você e qualquer outro caçador de olhos raros que tivesse chance. Não se esqueça de que sem mim, ninguém teria passado pelo portal.

Kelly começou a perder o controle, agarrou as barras de ferro com força o suficiente para deixar os nós dos dedos brancos.

— Sem mim seu irmão estaria morto. — seu rosto passou de branco pra vermelho, e aí eu senti que poderia dar o golpe final. Ergui apenas uma sobrancelha, e corri um dedo preguiçosamente pela barra gelada de metal. — Sem mim você estaria morta também. Ou acha que Velorn absorveu tanto sua dor quanto eu?

Ela pareceu recobrar a razão, e como se levasse um tiro no peito, deu dois passos desnorteados para trás. Sua boca se escancarou em uma palavra silenciosa, que não saiu. Seus olhos caíram para o chão, e os ombros despencaram, derrotados.

— Estou fazendo isso para proteger vocês.

Proteção. Me lembrei do que Hyella havia dito, sobre os cheiros, e os motivos... mas se Dianna não havia tido relações e nem rejeitado um laço então...

— Dianna tem um segundo cheiro.

Kelly estava vulnerável, aquela era minha chance de ouvir a verdade da fonte. Segurei a pedra roxa que ainda estava em meu bolso, aquela que me fez ter aqueles pesadelos malucos.

— Ela está grávida?

Seria possível que ela tivesse se deitado com alguém sem que eu visse? Pela expressão de Kelly não. Provavelmente sem se dar conta do que confessava, a caçadora deixou escapar:

— Não é isso que está dentro dela.

Magia proibidaOnde histórias criam vida. Descubra agora