Quinze

22 2 0
                                    

Hyella esperou que todos os estivéssemos com nossas bagagens em mãos, do lado de fora da casa, para só então desfazer o feitiço que mantinha sobre a pequena casinha. Ela abriu a porta para conferir, e sim, tinha voltado a ser uma pequena cabana por dentro, com madeira apodrecida e teias de aranha. Depois disso, caminhamos pela floresta densa, barrigas cheias e uma esperança crescente no peito. Debaixo do brilho das estrelas, entrelacei meus dedos nos de Temrys, me agarrando ao meu pedacinho de mundo. Era ele. O planeta poderia ruir debaixo dos meus pés, se eu pudesse segurar sua mão, nada mudaria.

Caminhamos até quase a madrugada, quando Hyella lançou um feitiço para nos esconder no alto de uma árvore. Me recostei em Temrys, que havia sabiamente construído uma pequena adaptação de cama para árvores, e adormeci. Hyella já sustentava magia para nós esconder, Temrys transformou galhos para nos manter seguros e confortáveis, eu não poderia imaginar uma casa na árvore melhor. Tirando os pesadelos.

Cerca de três horas depois que peguei no sono, eu acordei. Em um sobressalto, me sentei no colchão macio da cama improvisada, e me dei conta de que era a única acordada. Olhei envolta pensando ser coisa da minha cabeça, mas um segundo grito ecoou. Vinha de Enolan. Engatinhei com cuidado até seu galho, tomando cuidado para não acordar os outros, e me abaixei diante dele. Seu rosto estava encharcado de suor, seu corpo tremia. O que o atormentava?

— Não! Ela não...

Sussurros de uma garganta esgotada, provavelmente machucada pela série de gritos anteriores. Com o máximo de cuidado que consegui ter, segurei sua cabeça entre minhas mãos, e acariciei suas bochechas com os dedões. A testa franzida foi se relaxando, os músculos tensos pareciam mais soltos depois de alguns segundos. Foi isso o necessário para que ele se acalmasse. Permaneci na cama de Enolan até que os primeiros raios de sol saíssem por trás das árvores altas, e Temrys começasse a abrir os olhos. Quando contei a ele, não foi ciúmes que vi em seus olhos. Foi preocupação.

— Não acho que temos tempo de nos esconder antes que os inimigos ataquem. — Temrys disse no meio do café da manhã, quando todos estavam acordados. — Acho que devíamos pedir ajuda agora, Darknid consegue ser bem benevolente quando precisa.

Estávamos sentados em círculo em volta de uma pequena fogueira, estendendo as mãos com cozido para o fogo. O frio começava, mas para nossa sorte, nenhum floco de neve decorava o chão. Mas apesar disso, meu corpo tremia de leve, o que levou Temrys a passar os braços ao redor da minha cintura, e me puxar para si. Eu só podia agradecer ao frio por isso.

— Eu até concordo, em partes. Meu irmão é velho o suficiente para deixar o ódio de lado enquanto enfrentamos um inimigo em comum, mas Kelly...

Enolan fez uma pausa, como se segurasse para não dizer algo que eu não iria gostar. Mas Hyella continuou, esfregando as mãos.

— Ela é nova demais pra entender o peso de uma rebelião entre Mitchas. O ódio dela vai ser mais forte que o medo.

Temrys começou a massagear meus ombros, aliviando tensões que eu nem sequer sabia que existiam. Meu olhar confuso para o chão, foi o suficiente para que Cadium começasse a explicar as coisas — justo ele que mal falava.

— No mundo antigo, sempre existiram disputas entre raças. Mas com fraquezas e forças diferentes, sempre existiram interferências para que algo realmente sério acontecesse. A maturidade veio para os Mitchas dessa época, da pra notar que são compreensivos só pelo fato de terem fugido ao invés de lutar contra humanos.

Depois de perceber o quanto havia falado, as bochechas do grande Mitcha se preencheram de vermelho, e ele enfiou um pedaço de carne na boca. Lancei-lhe um sorriso, logo me virando para Lyrium, que continuou a explicação.

— Acontece que a única raça que tem conhecimento da importância do equilíbrio, é a raça Mitcha. Porque eles são antigos, e imortais. Humanos e magos estão acostumados com o agora, as emoções atuais e não pensam no futuro. Sua mãe é nova demais pra entender que engolir o orgulho, pode salvar o mundo de um colapso.

Meu tio se endireitou no lugar, deixando de lado a tijela que usava para comer.

— Não estou dizendo que não mereço o ódio deles. Mereço que você me queime vivo assim que quiser. Mas... sua mãe vai pensar que quero me aproveitar. E ninguém a culpa por isso. Depois do que fiz...

Seus olhos hesitaram, mas se ergueram para Temrys. Ele nem estremeceu, pareceu uma rocha sólida atrás de mim, uma fortaleza que me protegia de todo e qualquer mal. Eu sabia o que ele estava fazendo... estava me protegendo. Mais uma vez.

— Minha mãe pode ser a rainha... — eu disse, chamando a atenção de todos. — Mas meu pai ainda é o rei. E eu e Enolan ainda somos os Mitchas mais poderosos daqui.

Eles começaram a concordar. Uma sensação estranha começou a percorrer minhas veias, poderia eu superar minha mãe finalmente? Um plano. Um pequeno plano começou a se formar na minha mente agitada.

— Faz o que achar melhor Danna, vamos todos te seguir.

À princípio, pensei que Tems havia dito aquilo para me tranquilizar. Mas depois que meus olhos passearam por eles, com rostos radiantes de apoio, amizade e compreensão, aquele olhar de confiança plena que eles tinham em mim... não em Enolan ou Temrys, os Mitchas antigos e experientes, mas em mim. Eu mesma, a Dianna fraca que semanas atrás não sabia dar um soco sem ficar dias com as mãos doendo. A princesa que não via a luz do sol sem ser quase sequestrada pelo menos três vezes a cada missão. Não... não era naquela Dianna que eles estavam confiando suas vidas. Era na Dianna que havia invadido a sala do rei, aprendido a usar magia dos magos, atravessado cidades atrás de respostas. Era na Dianna que fugiu de casa e do conforto pra dar uma chance ao "tio malvado", que escolheu ouvir. A Dianna que mergulhou dentro de si, e mesmo quando pareceu impossível, sobreviveu e se tornou poderosa. Eu, a nova Dianna.

Depois da clareza naqueles rostos, a ideia também se clareou. Eu quase bradei como um grito de vitória:

— A prova de poder Mitcha!

Magia proibidaOnde histórias criam vida. Descubra agora