Vinte e três

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Foi tudo muito rápido. Em um segundo eu estava no chão, no segundo seguinte eu estava nos ares, erguidas pelas membranas delicadas das minhas próprias asas, poder puro saindo por entre meus dedos. Eu sorri, diante do que podia fazer, de como pude proteger meu povo. Os mortos continuavam avançando, mas agora tinham que pisotear todo um mar de outros mortos antes de chegar perto de mim. Mas jamais conseguiam. Convoquei gelo, fogo azul e abri a terra para que os engolisse. E aquilo tudo estava muito divertido, até que eu percebesse que eles não paravam de surgir. Da floresta.

Minhas forças estavam começando a fraquejar. Não pela quantidade de magia, mas pelo esforço de não deixar tudo sair do controle. Eu precisava me manter no alto, continuar congelando, atacando, enquanto cada súdito ali observava sua princesa que antes não poderia nem sequer chegar perto de um lugar como aquele. Eu continuei. Rangia os dentes para me concentrar em algo, qualquer coisa que não fosse o poder escapando por entre meus dedos. Trinquei a mandíbula, fechei as mãos em punhos, e continuei com os braços estendidos. Quando eu já não podia mais me mexer, quando meus músculos gritavam por ajuda, eu senti.

Ele. Suas mãos deslisaram pelos meus ombros até meus braços, e finalmente suas mãos nas minhas. Elas entrelaçaram seus dedos nos meus, em um encaixe perfeito de magia e peles. Quase chorei de alívio quando senti o controle ser reestabelecido, meu corpo relaxando contra o dele. Caímos para o chão devagar, suas asas minimizaram o impacto dos joelhos. Seu corpo atrás do meu, colado em um encaixe que eu nunca teria com mais ninguém, me estabilizou. Nossos poderes, diante dos meus olhos aguados em lágrimas, se entrelaçaram da forma mais linda. O rosa e o vermelho, saíram em um tufão gigantesco então grotesco de força, que os monstros que sobreviveram, recuaram. Quando acabou, eu queria mais.

Me virei de frente para Temrys, admirando seu rosto que irradiava plenitude, seu sorriso radiante, os olhos mais iluminados daquele mundo. Meus dedos percorreram seu rosto, eu não conseguia parar de sorrir, as lágrimas também não paravam de rolar. O que foi aquilo? Aquela sensação, como se eu estivesse finalmente preenchida por algo, por ele. Não existia mais buraco, medo ou nada mais. Só existia ele.

— Nossa...

Enolan sussurrou quando chegou perto de nós. Uma olhada rápida para os limites da floresta, me mostrou o estrago que havíamos causado. Árvores mortas e grama escura se espalhava pelo lugar. Mas eu também podia concertar aquilo. Me aproximei do local devagar, e encostei as mãos no solo. Aos poucos, como recitar um feitiço antigo falando com a natureza, usei seu próprio poder para restaurar tudo.  Quando me levantei, todos olhavam para mim, boquiabertos.

— O que foi isso? Você e Temrys... — Minha mãe não conseguiu completar a frase.

— Vamos nos unir a vocês. — Meu pai decidiu. — Quando tudo acabar decidimos o que faremos em relação a... Enolan. Mas enquanto os gêmeos nos ameaçarem, vamos lutar juntos. Pelo nosso povo.

A última frase ele disse com os olhos fixos em minha mãe. Mas apesar de contrariada, ela deve ter compreendido a situação. Porque não fez nenhuma objeção antes de sair andando em direção ao castelo, mais conhecido como enorme prédio bem no centro da enorme cidade. Meu pai se aproximou de nós. Parecia estranha a forma como ele e o irmão se olhavam, quase que desacreditados daquilo tudo.

— Vocês podem ficar no prédio. Tem espaço para todos.

Ele não disse mais nada antes de se retirar, levando quase todos consigo. Kushter ficou, os olhos violeta transbordando animação, os braços estendidos para me abraçar. Eu me atirei contra meu primo, e caímos em uma gargalhada poderosa.

— Senti sua falta.

Kushter disse enxugando as lágrimas, quando conseguimos nos afastar. Enganchei seu braço no meu, e depois disso começamos a caminhar em direção ao castelo. O sol se escondia atrás das montanhas altas, deixando o sol laranja da forma mais linda.

Quando chegamos na porta do prédio, as sentinelas nos deixaram passar sem perguntar nada. Meus pais provavelmente tinham avisado sobre nossa presença, então não foi difícil andar até o corredor onde ficariam nossos quartos. Nenhum guarda nos olhava por muito tempo, e graças aos acontecimentos anteriores, as pessoas estavam do lado de fora admirando os estragos e escutando relatos, e não no prédio real para nos ver entrar. Só um ousou se aproximar, com a cabeça baixa para nos dar informações:

— O rei e a rainha os convidam para um jantar esta noite.

Depois dessa fala, o soldado correu para longe e desapareceu pelo corredor, o mais rápido que pode. Quem poderia culpá-lo? Enolan estava bem ali ao meu lado, rindo da situação com as presas exibidas em um sorriso. Após esse pequeno divertimento para nós todos, escapei para a banheira que eu sabia que fervia em meu quarto, e adentrei o mais rápido possível.

Com a água morna até a nuca, relaxei e deixei que minha mente descansasse. Um mês atrás eu estava enfiada em uma banheira como aquela, em uma cidade próxima onde fui atacada. A diferença? Agora eu estava poderosa. Não precisaria nem me esforçar para me defender, e o pensamento me acalmava. Escutei quando Temrys trombou com a mesinha de centro do outro lado da porta, xingando o móvel como se pudesse de alguma forma magoá-lo. Segurei a vontade de rir quando perguntei se ele estava bem, mesmo já sabendo a resposta.

— Estou bem! Não se preocupe.

Ele gritou em resposta, mas dessa vez eu ri. Temrys ficava lindo zangado, com os olhos brilhantes de raiva o vermelho parecia se agitar atrás das pupilas. Eu estava errada... tinha mais uma diferença desde a última vez em que tentei relaxar em uma banheira... ele. Me levantei da água e caminhei até a porta que levava ao quarto, sem me preocupar em vestir uma toalha antes de abri-la, revelando um Mitcha completamente atônito. Temrys me encarou, como se eu fosse a última criatura viva na face da terra, suas bochechas queimaram. Eu ri mais uma vez, só que o riso não foi nada engraçado. Foi rouco e necessitado, sustentando um desejo que eu havia guardado dentro de mim a muito tempo.

Temrys se levantou da borda da cama, e depois que suas mãos me alcancaram, me esqueci de todo o resto no mundo. A única coisa de que eu me lembrava, era seu nome.

Temrys.

Magia proibidaOnde histórias criam vida. Descubra agora