Magia proibida

Doze

— Laenia e Laerte nutriram um ódio muito grande desde pequenos. Quando os adotei, treinei os gêmeos para serem meus espiões e multi-funções. Foram eles que me ajudaram quando Kelly saiu dos trilhos, e quando fui pego... eles tinham um plano predeterminado por mim.

Estávamos todos sentados na mesa de jantar, com pratos encantados mal mexidos à nossa frente, cada um esperando que Enolan completasse a história. Sua voz era calma e grave, tão densa que as vezes eu me sentia parte da história. A narrativa envolvia a todos, ninguém se atrevia a piscar.

— Meu plano inicial era me vingar da rainha e morrer. Mas depois que vi como Kelly estava poderosa, percebi que ela podia me matar com algum esforço. Então, temendo uma revolta dos meus aliados, disse a eles para que esperassem. Menti, dizendo que esconderiam minha presença, disse que eu jamais morreria a não ser pelas mãos de um meio-sangue cor de rosa.

— Seu plano não contava com o nascimento da Dianna. — Temrys cutucou.

— Sim. — Enolan abaixou a cabeça, envergonhado. — E peço perdão por isso. Eu não sabia o que seus pais planejavam, muito menos de sua futura existência. E o problema maior nem é esse...

Todos esperaram. Enolan deu uma garfada demorada na própria comida, aumentando o suspense.

— Existe um feitiço, que faz parte da magia proibida. Esse feitiço é perigoso e muito poderoso, e para nosso azar, só pode ser realizado por Mitchas de olhos dourados.

Temrys pigarreou antes de comentar:

— Se me lembro bem, Laenia e Larte tem olhos dourados. Mas não são Mitchas.

Enolan mordeu o lábio inferior antes de responder.

— Eles não eram Mitchas. Mas eu fiz um feitiço de camuflagem antes de ser pego, que os escondeu durante todos esses anos. E nessa forma, eles podem realizar o feitiço.

— Então é só você tirar o feitiço não? Eles voltam a ser humanos e pronto.

Meu tio me lançou um sorriso compreensivo, como se já esperasse por essa solução. Mas a preocupação não saiu dele, não quando ele continuou, com mais notícias ruins.

— O feitiço pode estar enraizado. Fiquei tanto tempo fora, que pode ser que não consiga tirar completamente a parte Mitcha deles. E além disso, se descobriram o feitiço que podem controlar, não poderei nem chegar perto deles!

Seus olhos caíram para o chão, os ombros curvara-se para frente, em sinal de derrota. Mas que feitiço era esse para amedrontar tanto um Mitcha tão poderoso? Além disso, se fosse em nome do reino eu tenho certeza que meus pais ajudariam. Darknid, Kelly, Velorn, Enolan, Temrys, Amstryn... essa tal de Laenia não teria nenhuma chance jamais! Ninguém teria chance com todo esse grupo junto, e se eu me tornasse híbrida então...

— Preciso me tornar Híbrida o mais rápido possível. Depois disso, vamos até meus pais e pedimos ajuda. Eles vão entender.

— Não acho que vão aceitar. E é culpa minha de qualquer maneira...

Olhei para Tems, na esperança de que me desse algum conforto, mas foi pior. Ele concordava, afinal havia sofrido junto.

— Mas afinal, que magia proibida é essa, que assusta até você?

Enolan hesitou. Eu notei quando apertou o garfo de prata em suas mãos, tão forte que os nós dos seus dedos esbranquiçaram. Mais um arrepio percorreu minha coluna, um eco daquela voz que sempre me alertava. Ele passou dezenove anos dentro de mim, e agora eu conseguia ler facilmente suas emoções. Como ele lia as minhas.

— Controlar os mortos.

Temrys engasgou, Lyrium suspirou tão fundo que soltou um ruído, e Cadium soltou um palavrão que eu nem sabia que existia. Eu não sabia o que pensar. Um mês atrás, custaria acreditar que alguém teria poder para tanto, mas... depois das coisas que eu havia descoberto, não me parecia tão impossível assim. Era fato: precisávamos de Darknid, e de preferência Velorn junto.

— Não é uma habilidade que ressuscita, então a consciência não volta pro corpo. Mas o poder, a força bruta, a memória muscular... isso volta.

Abaixei os olhos para pensar. Um silêncio sepulcral caiu sobre nós, ninguém nem se mexia. Eu sentia a culpa consumir meu tio aos poucos, uma culpa que também começava em mim. Eu devia ter tentado escutar ele, antes de ter certeza de que a culpa dos ataques era dele. Se ao menos Lyrium tentasse me avisar... Cadman! Ergui os olhos para o ouro derretido em seus olhos, vendo uma centelha de esperança nascer dentro de mim.

— Cadman tem olhos dourados! Ele também tem acesso...

— Precisamos de uma dupla para o feitiço. Além disso, não queria que chegasse a esse ponto... uma das exigências são sacrifícios, para compensar os corpos controlados.

Temrys largou o garfo no prato, que tintinou em um ruído alto.

— O primeiro ataque... foi só pra isso não foi?

Sua voz estava rouca. Eu sabia o quanto ele se importava com o próprio povo, ele sempre deixou claro com as ideias que dava para melhorias à Amstryn. Encarei aqueles olhinhos tristes, culpa se formando neles. Eu não iria deixar.

— Vamos falar com Darknid e Kelly. Assim que eu me tornar híbrida. — Declarei.

Não foi uma pergunta, eu não estava pedindo permissão. Eu via ali, a única saída: meu poder. Se uma híbrida com Hyella era tão poderosa, uma com olhos rosa então... Laenia e Laerte poderiam vir com um exército de mortos-vivos na nossa direção, eu acabaria com todos eles. Ninguém discordou. Ainda era estranho ter a liberdade de tomar minhas próprias decisões, mas eu estava gostando. Temrys estendeu sua mão e a apoiou em cima da minha, um sinal tão simples que significava tanto... eu tinha a ele. Não importava a decisão, ou a loucura que eu cometesse, ainda teria Temrys ao meu lado. Como eu merecia algo assim? Não fazia ideia. Só podia agradecer à natureza por ter escolhido esse laço para mim.

— Vamos então? Não temos tempo a perder.

Enolan se levantou em um pulo, pela primeira vez tentando esconder a preocupação. Mas eu conseguia ler seu coração.

Fique tranquilo. Vai dar tudo certo.

Não sei como, mas enviei uma mensagem mental para meu tio. Ele disfarçou a surpresa, e respondeu.

Eu sei menina. Você é forte.

Era o melhor elogio que eu poderia querer.