Trinta

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Nada era capaz de descrever o que senti ao levantar daquele chão. Parte de mim estava como antes, mas a outra parte... parecia que um pedaço da minha magia estava em Temrys, e um pedaço da dele em mim. Era loucura, mas eu podia jurar que por um momento, éramos um só.

O baque surdo de minha mãe caindo ao meu lado me fez retornar para a realidade. Ela tentava conter, sem sucesso, os três poderosos na nossa frente. O poder de Mullian não me assustava mais. Por algum motivo, eu sabia, no fundo da minha alma que poderia derrotar todos ali. Sozinha. Ergui uma mão, mas minha mãe a alcançou, e direcionou seus olhos marejados para mim.

— Espera!

A dor em seus olhos, era algo que ninguém naquele mundo merecia. Nem sequer a pior criatura. Tanto havia sido tirado dela, e agora ela era obrigada a reassistir a tudo aquilo novamente. De repente me senti culpada por sentir tanta raiva dela. Por ter fugido tantas vezes, por julgar suas ações. Ela merecia mais do que ver seus pais sendo esmagados pela magia da filha. Apoiei uma mão em seu ombro, e a tranquilizei.

— Não são eles. Mas te ajudo a se aproximar.

Liberei magia rosa dos meus dedos, que oscilavam no ar até chegar nos três. E assim eu os prendi, primeiro Kamine, depois Mullian e por fim Kushter. Um laço rosa brilhante feito puramente de magia mantinha os braços deles inativos, imóveis o suficiente para que minha mãe se aproximasse. Ela hesitou, mas Kennan correu para o pai desesperadamente.

— Pai... só queria dizer que sinto sua falta. Tenho um filho com seu nome e... ele é igualzinho a você. — Meu tio engoliu em seco algumas vezes. — Me perdoa por ter quebrado o vidro da cabana das montanhas quando eu era pequeno... eu menti sobre ter sido Kelly. Me desculpa também por ter me recusado a ir brincar com Kelly e Laerte na noite em que vocês foram mortos. E principalmente... me desculpa por não ter sido forte o suficiente para proteger vocês.

Minha mãe se aproximou, lágrimas quentes descendo pelo seu rosto, vermelho como rosas. Senti os braços de Temrys ao meu redor quando lágrimas também me escorreram.

— Mãe... — Ela sussurrava. — Eu sinto tanto a sua falta... — Minha mãe teve que respirar fundo algumas vezes para conseguir continuar. — Aquilo que você tinha com o papai, aquele amor... eu nunca pensei que merecesse. Me desculpa por ter machucado tanto seu povo, me perdoa porque eu fui ignorante a tudo ao meu redor. Eu encontrei meu laço sem nem mesmo estar procurando. Me desculpa, por ter saído naquela noite. Me perdoa por não estar perto de Kennan quando ele acordou debaixo da terra...

Sons de passos deixaram todos em alerta, mas a cabeça loira de Velorn acalmou os ânimos. Enolan trazia Laerte acorrentado por magia, e o monstro do mar quase caiu de joelhos quando viu a irmã. Era a chance dele. Minha mãe se afastou, e então ele se aproximou.

— Kami... — Ele correu um dedo longo pela extensão de sua bochecha, com um carinho que eu nunca havia visto. — Eu sinto sua falta. Sinto falta até mesmo de quando você se gabava por ter um manto de calma letal melhor que o meu. É mentira tá? Eu sempre fui muito melhor nisso. — Ele soltou uma risada cansada. Lágrimas rolavam por cima do sorriso. — Tive muita sorte em ser seu irmão. Você deu origem a uma família e tanto sabia? Sinto saudades.

Aquilo estava acabando. Temrys lançou um olhar para Laerte, e sem que eu precisasse usar magia, ele obedeceu, e desfez o encanto. Os corpos de todos ali começaram a se dissolver no ar, pouco a pouco centímetro por centímetro... minha mãe passou os braços por Kamine, desesperadamente buscando por algum afeto. E quando menos esperamos, ela respondeu. Kushter e Kamine tiveram um instante de lucidez, e puxaram os filhos para um abraço em meio a lágrimas e sorrisos.

Os três se desfizeram no ar, mas Kelly, Kennan e Velorn permaneceram abraçados. Minha mãe me estendeu um braço, e me puxou para aquele abraço também, e logo depois Kushter se juntou. E então meu pai, e Amstryn, e Teodoro, e Temrys... enquanto Enolan e Laerte observavam. O bolo de amor se dissolveu, e enquanto eu limpava as lágrimas e engolia em seco para tirar o nó da garganta, outra preocupação me perturbou... O que minha mãe faria com meu tio.

— Ele não resistiu. — Velorn disse sobre Laerte. — Se entregou assim que terminou de chorar pela irmã.

Todos pareciam impressionados. Me aproximei do humano devagar, que agora já não tinha as orelhas pontudas, mas continuava mortalmente lindo.

— Por que?

Laerte respirou fundo. E havia sinceridade em seu olhar. Consegui entender o porquê de minha mãe querer alguém como ele em seu time.

— Porque eu passei a vida lutando pelos sonhos dos outros. Primeiro Kelly, depois Gardot ou Enolan, e então Laenia... nunca foi por mim. Queria pelo menos morrer por algo que fosse por mim. E morrer lutando por isso... não é algo que sempre sonhei.

Velorn ergueu uma sobrancelha desconfiado. Mas meu pai já se adiantava, impedindo a fala de qualquer um.

— Você será preso. Aguardará julgamento e punição para seus atos. — Quando pensei que havia acabado, ele se virou para Enolan. E meu coração quase parou. — Enolan.

Ele não parecia assustado. Apenas olhava para meu pai, com nada mais que compreensão brilhando nos olhos.

— Eu aceito meu destino. Seja lá o que for.

Minha mãe deu um passo à frente. Eu já conseguia imaginar, a dor de perder ele, o buraco que ficaria quando eu acordasse sabendo que ele nunca mais estaria ali e...

— Pois espero que saiba aturar Dianna. Porque a partir de hoje você é o guarda oficial da família real.

Meu coração quase saltou pela boca. Um sorriso imenso tomou conta do meu rosto, e não pude me segurar antes de pular nos braços do meu tio. Sua risada fazia meu corpo tremer enquanto ele me girava no ar. E quando me soltou, se curvou. Todos ali se curvaram diante de Kelly e Darknid, o rei e a rainha Mitchas...

A família que nunca perde.

Magia proibidaOnde histórias criam vida. Descubra agora