Vinte

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À princípio, Teo não entendeu o que estava acontecendo. Mas eu o fiz dormir, com uma pequena magia fraca. Só então, os olhos verdes de Tiana se arregalaram, mas não era de susto pelo marido. Era de surpresa, porque eu havia a descoberto. Tomei cuidado o suficiente para que Teodoro não se machucasse ao cair do chão, e isolei as paredes de qualquer ruído externo.

— Pode me dizer o que ganha do lado deles?

Eu não estava com raiva, estava decepcionada. Me senti traída quando descobri que Tiana, a mulher que ajudou a me criar, que tinha um espaço tão especial na minha família... era uma infiltrada do inimigo. Ela vestia uma camisola, o cabelo castanho estava desgrenhado escondendo parcialmente os chifres falsos.

— Não sei do que está falando.

Eu conseguia sentir agora. Como híbrida, era capaz de sentir a magia Mitcha correndo nas veias de Teodoro, dos meus pais, de Temrys... mas dela não. Ela era como um rio diluído, um sangue leve, provavelmente como outros humanos. Não tinha encontrado nenhum depois da transformação, mas imaginei ser igual a Hyella, já que ela não chegou a morrer pra virar Mitcha.

— Pode se desfazer dos chifres agora Tiana. É esse seu nome mesmo?

Ela hesitou. Mas depois sorriu. Não um sorriso de felicidade, mas um ranger de dentes, de lábios separados é um olhar desesperador. Ela disse entredentes:

— Você não vai tirar nada de mim. Não vai encostar no poder dela.

Dela? Tiana falava de Laenia então. Por isso Teodoro se apaixonou tão fácil? Provavelmente teria alguma relação da magia e o cheiro, eu precisava pesquisar sobre. Me aproximei dela, adentrando completamente no quarto. Mas a humana ergueu as mãos, com garras falsas e longas. Inclinei a cabeça para o lado, e vagarosamente corri as pontas dos dedos pela minha própria cintura, até uma pequena coisinha que havia escondido na calça.

— Não vou nem precisar de magia pra isso.

Pela primeira vez ali, Tiana pareceu demonstrar algum medo, ou receio que fosse. Um passo para trás, ela tentou abrir distância. Mas eu não deixei. Usando toda a memória muscular que havia adquirido em treinamentos com Temrys, pulei na garota. Fiz parecer um ato desesperado, mas quando ela vestiu seu ar triunfante, eu cortei o ar com a faca. O ar e ela. A garota grunhiu e se afastou, segurando o braço cortado que havia estendido para me pegar. Aquilo seria suficiente.

Corri para fora do quarto e chutei as paredes, onde eu sabia que haviam alarmes para os guardas de plantão. Segundos antes de continuar a descer pelas escadarias, eu escutei os passos apressados, com a certeza do que encontrariam. Sangue vermelho rubi no chão.

Minhas pernas latejavam, mas eu as ignorei. Mesmo com os músculos tremendo e o suor escorrendo pela testa, eu precisava chegar até eles. Então ultrapassei os limites o mais rápido que pude, e encontrei a bolsa de mantimentos exatamente onde havia deixado. Era uma pequena clareira, com um pedaço de tronco no chão, quase como um convite para se sentar. Me afastei da luz do sol que começava a aparecer de verdade, procurei ficar nas sombras por um tempo e... finalmente descansar.

Desabei no chão, meu corpo todo ardia. A magia dentro de mim cedeu e oscilou, um esforço que eu tinha que manter para que ela não explodisse. Mas o pior estava por vir: esperar. Recostei minha cabeça contra a árvore que me protegia do sol, e esperei. Paciência nunca foi minha melhor qualidade. Repassei meus objetivos na mente: encontrar Temrys e Enolan, montar um pequeno abrigo, me esconder de meu pai até o dia seguinte e entrar na nave que nos levaria até o local da prova Mitcha. Quando minha mãe nós visse na arena, não poderia fazer nada pra impedir. Meu pai se amoleceria quando visse que Enolan havia mudado, e depois disso finalmente nos escutariam com o coração aberto.

Eu não sabia o quando aquilo daria errado.

Escutei passos pesados, minha magia cansada demais para reconhecer. Nem mesmo meu nariz foi capaz de identificar seu cheiro, antes que ele estivesse bem na minha frente, inclinado com os cabelos ruivos caindo em minha direção. Consegui sorrir de leve, mas ele pareceu preocupado. Com um cuidado quase que absurdo, Temrys me pegou em seus braços, e me encaixou perfeitamente em um abraço quente. Eu soltei um barulho de satisfação, estava cansada demais pra falar qualquer coisa. E ele percebeu.

— Durma.

Foi um sussurro firme, o que praticamente me ninou. Fechei os olhos e perdi a consciência completamente, naqueles braços que me transmitiam tanto sem dizer nada.Quando acordei, ainda estava naqueles braços, mas agora o sol estava bem mais fraco. Já do outro lado do horizonte, o que indicava que eu havia dormido pelo menos o dia todo. Temrys não se mexeu até que eu tentasse me levantar, soltando murmúrios de insatisfação por conta dos milhões de pedacinhos de mim que ardiam agora.

— Magia tem um preço. Você usou muita com pouca experiência.

Lancei um sorriso fraco para meu laço. Estava aliviada por saber que Temrys estava bem, o aperto constante no peito passou. Eu sabia que ele era forte, mas enquanto corria pra longe dele, não conseguia parar de pensar em como aquilo era perigoso, mesmo com sua força. O olhar divertido dele foi se apagando, dando espaço para a mais pura expressão de preocupação.

— Enolan não voltou. E Laerte... ele tem um armazém muito maior do que eu imaginei.

Meu coração começou a trovejar dentro do peito. Até o oxigênio pareceu faltar, minha mente girava em um turbilhão. Senti que se não fosse por aqueles braços, eu teria certamente desabado bem ali no chão. Eles me ergueram junto com seu dono, e me envolveram até que o desespero do meu peito se acalmasse. Tudo bem, tudo estaria bem enquanto  eu tivesse Temrys. Mas... O chão tremeu.

Saia daí menina.

A voz ecoou dentro da minha cabeça, me fazendo erguer os olhos para fora do abraço do meu laço. E na próxima vez que o chão tremeu, já estávamos correndo... do exército que se erguia pela floresta.

Magia proibidaOnde histórias criam vida. Descubra agora