Vinte e oito

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A cada lufada de vento, uma emoção diferente se formava em meu estômago. Meus dedos agarravam a camiseta de Temrys com força, tive que me conter para as garras não chegarem em sua pele. Ele se mantinha focado, voando alto e o mais rápido possível em direção ao prédio real. Eu amava voar com ele, e o conhecia bem o suficiente para saber que aquela velocidade... cobraria seu preço. Mas naquele momento, eu só consegui pensar em minha mãe. E em como as palavras de Laenia pareceram uma previsão, uma promessa. Poderia algo ser forte o bastante para parar Mullian? Mesmo com olhos dourados, ele era o mais poderoso. E junto com meu avô, um mago de olhos rosa...

— Ei

Temrys deslizou uma mão para minha bochecha, segurando meu rosto com cuidado. Sem diminuir a velocidade, não tirou os olhos de mim.

— Vamos salvar a todos. Ninguém morre, não no meu turno.

Dei um sorriso fraco antes de enterrar a cabeça em seu peito, apertando mais forte. Eu acreditei. O que seria de mim sem ele? Temrys era tudo. Eu não conseguia imaginar um amor maior, não naquela intensidade. Ergui os olhos para ele, para dizer o que sempre senti vontade de dizer, o que aumentava a cada dia em meu coração... mas não pude. Assim que ergui a cabeça, vi seu olhar de desespero, e um segundo depois estávamos caindo.

Não, não era desespero em seus olhos, era dor. Aquele vermelho vivo transmitia dor pura enquanto despencávamos do céu. Tive que pensar muito rápido, para fincar os dedos nele, e ao mesmo tempo amputar as asas para fora das minhas costas antes que nos encontrássemos com o chão. Isso diminuiu o impacto da queda, nos fez planar até um baque quando encontramos o chão. Faltava pouco para chegar na cidade, o trio provavelmente já teria alcançado. Com uma força que eu não fazia ideia de onde vinha, empurrei o chão de terra e me arrastei até onde Temrys estava caído. Suas asas estavam recolhidas, e ele tentava se levantar.

— O que aconteceu?

Ele não precisou responder. Meus olhos caíram para onde sua mão estava estendida, segurando uma flecha, que estava fincada em sua coxa. A flecha atravessava a carne, mais longa e grossa do que flechas convencionais. Levei minhas garras até o tecido de sua calça, rasgando para conseguir ver melhor. Meu coração tremia, meu corpo tremia, Temrys tremia. Medo. Senti o mais puro e sufocante medo quando vi as veias negras em sua pele, se espalhando pelo corpo... veneno.

— Danna... — ele estendeu uma mão até o meu rosto, manchando minha bochecha com sangue quente. — Precisa ir. Agora. Eu vou ficar bem, prometo.

— Não. Eu posso te carregar.

Me adiantei para pega-lo no colo, mas suas mãos me impediram. Temrys segurou meus ombros com firmeza apesar da ferida, e olhou no fundo dos meus olhos.

— Eu prometo a você que não vou morrer. Mas sua mãe vai se não sair daqui agora.

Ele olhou fundo na minha alma. Uma promessa do meu laço, eu tinha que acreditar. Eu acreditei. Inclinei o rosto para ele e o beijei, antes de construir uma barreira mágica ao redor de onde ele estava, e correr na direção da cidade.

Não demorou muito para que eu avistasse o estrago que apenas aqueles três poderiam causar. Antes mesmo de sair completamente da floresta, com o coração pesado por ter deixado meu laço para trás, e os olhos arregalados em surpresa, paralisei de medo. Kennan de alguma forma tirou forças para construir uma barreira no que havia sobrado da cidade, impedindo o trio de entrar. Mas aquilo não foi o suficiente. Meu pai e minha mãe não estavam unidos, como era o plano. Pelo contrário, Darknid chacoalhava minha mãe enquanto ela encarava... os pais mortos bem ali em sua frente. Lágrimas silenciosas rolaram pela sua bochecha, a boca estava aberta em um grito silencioso.

Amstryn me viu primeiro, e ofereceu a mão para que eu me aproximasse melhor. Teodoro tentava conter a magia de Mullian com a ajuda de Kushter, que segurava o mago o melhor que podia, para um humano. Por algum motivo, meus avós não atacaram. Só Mullian, ele era o único que tentava nos machucar.

— Mãe.

Consegui dizer por cima do nó que se formava em minha garganta. O medo estava diminuindo.

— Precisa sair daqui. Eles tem ordens para te matar.

Ela não parecia me escutar, mesmo bem perto de mim. Kelly parecia desligada do mundo, os olhos focados apenas no ponto onde seus pais estavam, parados como estátuas sem emoção. Com medo do que poderia acontecer em segundos, me aproximei da minha mãe, e colocando as mãos em seus ombros, olhei em seus olhos. Sua paralisia oscilou o suficiente para que ela me olhasse de volta. E a dor que vi ali... quase me quebrou também. Meu pai começou a envolvê-la com seus braços, mas algo aconteceu antes. Um rosnado alto, e então, uma pantera voava na direção de Kennan. Meu tio caiu no chão, a cabeça bateu tão forte contra o chão, que começou a sangrar.

— Kennan!

Minha mãe gritou, e se desvencilhando de nós dois, correu até onde a mãe e o irmão estavam. Em um pulo desesperado, ela agarrou o irmão pelos braços, e usou magia para afastar a mãe, que agora estava em uma forma animalesca. Literalmente.

— Mãe. — Sua voz estava trêmula— Você não quer nos machucar. Não quer isso.

Nenhuma resposta. O desespero começou a nos corroer, até que finalmente, a pantera voltou a ser humana. Mas não estava menos assustadora. Dessa vez foi Kushter quem atacou. Com uma magoarias que esmagadora, ele empurrou para longe todos os que não fossem da família. Voaram para longe, longe demais pra correr até nos a tempo... quando Mullian ergueu as mãos era tarde demais.

Eles não estavam mirando na minha mãe. Só queriam que eu pensasse isso para abaixar a guarda. Porque jamais minha mãe seria pega em um golpe daqueles. Mas eu sim. Foi na minha direção que Mullian ergueu o braço. Foi eu quem ele tentou matar.

Quando tudo ficou preto, conclui que havia conseguido.

Magia proibidaOnde histórias criam vida. Descubra agora