Ele entrelaçou seus dedos nos meus, me concedendo todo o apoio que eu necessitava naquele momento. Caminhamos lado a lado na direção do enorme salão de jantar, onde uma corte esperava sua refeição prometida: Enolan. A lenda viva caminhava conosco, mas um pouco afastado por respeito. Ou seja lá o que significava o olhar que ele e Terys haviam trocado quando finalmente conseguimos sair do quarto. As enormes portas do salão principal foram abertas, revelando o motivo de minha tremedeira. Uma mesa gigantesca estava posta no meio do salão, todas as outras tinham sido retiradas. Seria ali a grande conversa.
O resto da corte não estava, os conselheiros e oficiais não tinham autorização para ouvir o que o círculo interno dos meus pais escutariam. Todos já estavam ali, e restava apenas três lugares colados para nós. Fui a primeira a me sentar, entre Kushter e Temrys, que ficou entre mim e Enolan, que por alguma medida de segurança acabou ficando na ponta, de frente para Velorn. Meus pais ocupavam a poltrona maior em cada ponta, e os outros lugares foram preenchidos por Amstryn, Teodoro, Kennan e Gretta. Estavam todos ali. Era um acúmulo absurdo de história, rancor, lágrimas e sangue em uma mesa só.
Meu pai farejou o ar, e suas bochechas coraram instantaneamente. Gretta segurou um riso e todos os machos daquela mesa começaram a olhar ameaçadoramente para Temrys. Não entendi o porquê, mas desviei a atenção o melhor que pude.
— Vamos começar pelo fato de Enolan ter sido trancado dentro de mim.
Por algumas expressões de confusão, percebi que nem todos sabiam daquilo. E foi assim que se iniciou uma longa conversa. Repleta de todo tipo de sentimentos, menos fome. A conversa se estendeu por um longo período de explicações, que algumas vezes se tornavam brigas, mas eram apaziguadas por escudos mágicos colocados por mim, mas na maioria das vezes por Amstryn. Apesar de não possuir nem um pingo de imparciabilidade na história, ele estava me ajudando a manter todos calmos.
— Eles já atravessaram o portal uma vez, mas por algum motivo não atacaram com tudo ainda. — Velorn ponderou. — Isso só pode significar que eles não tem noção do nosso poder juntos, provavelmente não sabem de quanta munição vão precisar.
Enolan parecia orgulhoso quando seus olhos caíram sobre o braço da minha poltrona, onde minha mão se unia a de Temrys. Um sorriso de cúmplice surgiu em seus lábios.
— Não usaram nem metade do poder de vocês juntos não é?
Temrys também sorriu. Ninguém pareceu entender direito até ele começar a explicar.
— O laço é muito maior e mais forte do que vocês estão acostumados a pensar, pode muito bem ser usado contra eles. Está além do sangue, além do amor, acima de qualquer poder que conhecemos hoje. — Ele se dirigiu ao meu pai, com a voz um pouco mais baixa dessa vez — Se você e Kelly se juntarem em batalha, ao lado de Dianna e Temrys...
— Poderiam romper o mundo em dois. — Velorn sussurrou.
Poder. Era uma ideia tão vasta de poder absoluto que senti meu corpo estremecer só com a ideia daquilo. Poder absoluto e abundante, ao lado dele. O triunfo tomou conta de todos nós, a esperança.
— Temos que parecer vulneráveis. Talvez simular uma separação para que ataquem. — Kennan argumentou.
— Mas se temos vantagem em força seria mais rápido e menos desgastante atacar diretamente. — Gretta propôs.
Meus pais pensaram por um instante. Se calaram e se encararam, os olhares turvos por alguns instantes. Eu sabia que estavam conversando normalmente, entre mentes. Me perguntei se algum dia conseguiria fazer aquilo com Temrys. Ele havia sussurrado em minha mente para eu voar, mas nenhum de nós fazia ideia de como.
— Precisamos pensar. Mas concordo com Gretta por hora. Vamos ver o que os próximos acontecimentos nos mostram.
Foi só o que minha mãe disse antes de pedir licença e se retirar da mesa. Devia ser muito desgastante fazer um papel daqueles, tentando se controlar diante de Enolan. E eu entendia em partes, mas amava os dois. Sentia a dor dela, mas também a dele. Não queria ter que escolher. Temrys apertou minha mão mais forte por baixo da mesa, me fazendo relaxar um pouco. Terminei meu jantar e também me retirei.
— Você foi incrível hoje.
Enolan me seguiu pelo corredor. Percebi que Temrys ficou para trás, então só pude imaginar que era algo meio combinado. Sorri.
— Obrigada. Eu nem sabia que poderes podem se unir assim.
— Não podem. — Enolan sussurrou. — Não podiam até hoje.
Entramos no elevador, e meu tio apertou o botão que nos levaria até nosso andar. Meu coração começou a saltar dentro do peito por algum motivo.
— Tio... e se você encontrasse seu laço? Não seria uma grande ajuda a mais?
Eu sabia o laço dele estava por perto, descobri enquanto procurava meu próprio. Enolan abaixou a cabeça, os olhos rosa-claro se escurecendo pelas sombras quando a porta do elevador se abriu. E por um segundo, diante daquela expressão sombria, algo congelou no ar. Pude imaginar como seria ver Enolan mau, machucando as pessoas. Antes daquilo, antes daquele olhar eu não fazia ideia. Mas agora...
— É tarde.
Chegamos na frente da porta do meu quarto, onde me recostei para encara-lo melhor. Meu tio ergueu a cabeça finalmente, mostrando os olhos cheios de água. Meu coração se comprimiu quando ele falou de novo, a voz rouca e calejada, de alguma forma parecia que ele havia gritado por dias.
— Me ceguei pela vingança por tempo demais. E quando fui atrás dela... era tarde. Ela tinha se casado e estava grávida do primeiro filho.
Um sussurro ficou preso em minha garganta. Eu quis dizer algo, mas nada me soou reconfortante o suficiente.
— Tem muita sorte. — Sua voz estava dolorida agora. — Por Temrys ter esperado por você. Ele esperou... por séculos. Nem imagino como deve ser. Ele pensou que fosse Kamine. E então Kelly... e finalmente, quando chegou na sua vez ele já não tinha esperanças de ser o suficiente pra você. Mas preferiu ficar sozinho do que se relacionar com alguém que não fosse seu laço.
Uma sensação estranha começou a tomar conta de mim quando envolvi seu pescoço em um abraço. Sim, eu tinha muita sorte naquilo tudo.
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Magia proibida
FantasyDepois de tantas confusões, Darknid decide que contar a verdade para a filha é a melhor opção. Ele só não imaginava a montanha de problemas que atrairia depois daquilo.