Quatro

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Eu entendia que meus pais não podiam me deixar sair para destruir algo com minha futura recém-instalada pelas besteiras que haviam feito comigo. Mas as algemas já eram demais. Meu pulso direito estava inchado de tanto tentar puxa-lo para fora, e pela dor eu desconfiava de uma leve torção. O metal das algemas devia ser mágico, porque eu não conseguia invocar a magia enquanto encostava nele. Tentei gritar pela voz dentro de mim, mas até ela parecia ocupada demais pra responder. Grunhi tentando puxar o braço uma última vez, mas meus ouvidos captaram um som. O poder dentro do meu peito que me alertava — o mesmo que se mostrava inútil para me ajudar naquele momento — palpitou. Então mudei de posição, me jogando atrás da cama para me esconder da pessoa que invadia meu quarto.

Como eu sabia que era uma invasão? Era simples: meu pai calçava sapatos sociais naquela manhã, e minha mãe saltos finos. Eu conhecia os sons de ambos os calçados contra o piso do corredor, e o que escutei naquele momento eram botas grossas. Temrys estava preso, e Kushter não teria permissão de sair de perto de Gretta pelos próximos cinquenta anos. Só podia ser um invasor. A maçaneta gurou, e eu colei minha bochecha no chão para ter certeza de quem entraria pela porta. Botas grossas e escuras, cobertas de lama. E... um cheiro familiar.

— Dianna? Está aí?

Era Lyrium, sussurrando para o quarto. Depois de reconhecer a voz, relaxei o corpo e me levantei de trás da cama, acenando com a mão que estava livre.

— Oi! O que esta fazendo aqui?

O Mitcha se aproximou, os belos cachos saltando a cada movimento da cabeça.

— Hyella me mandou. Ela disse que você estava presa e... precisamos liberta-la.

Ele se adiantou, e com uma pequena chave, abriu finalmente a algema em meu pulso. Soltei um suspiro de alívio, sentindo cada músculo retraído em mim se relaxar, a conexão de magia no meu corpo voltando a sincronizar, tudo onde deveria estar. Mas o garoto me interrompeu.

— Precisamos ir, ninguém pode saber que eu te soltei.

Lyrium me estendeu uma mão bronzeada, mas eu hesitei. Era essa mesma a solução? Mais uma fuga? Justo agora que meus pais haviam me contado a verdade, eu iria fugir. Mas qual era a outra opção? Ficar e esperar até que meu pulso inchado fosse o suficiente para ser solta. Ou será que eles apenas trocariam a algema de braço?

Durante toda a vida me senti presa, indefesa e fraca. Mas agora eu sabia, que na verdade meu corpo estava ocupado demais tentando manter aquele poder descomunal dentro de si, por isso eu era ruim em tudo. Enolan podia escutar esses pensamentos? Enolan, meu tio. O Mitcha mais poderoso já registrado, um meio-sangue de olhos rosa. Ele tinha poder pra me controlar, meus pais só não sabiam disso. Mas mesmo assim, as únicas vezes em que ele falou comigo, foi quando eu busquei por ele. Direta ou indiretamente, buscando poder ou respostas. Ele não desmentiu a história dos meus pais, não tentou me influenciar, a não ser quando disse coisas para me ajudar a fugir. Ao contrário do meu pai, que usou uma joia para limitar meus movimentos, e agora me manteve presa a minha cama, Enolan jamais fez nada parecido, mesmo podendo. E se aqueles ataques estavam acontecendo naquele momento, deveria haver um motivo por trás. E eu descobriria cada um deles. Aceitei a mão de Lyrium, e deixei que ele me puxasse para fora daquele lugar.

Mas assim que aporta do elevador se abriu para nós, uma preocupação crescente apertou meu peito, me fazendo soltar a mão de Lyrium.

— Espera! Não vou sem Temrys.

Eu havia esperado tempo demais, anos da minha vida para descobrir que ele era meu laço. Jamais o deixaria para trás, mesmo que ser acorrentada fosse o preço. Lyrium deve ter lido aquilo em meus olhos, porque a expressão de desespero pela pressa se suavizou.

— Vou usar meu poder, mas você não pode respirar por alguns segundos.

Franzi o cenho para ele, mas não deu tempo de perguntar nada, porque segundos depois escutamos passos. Sentinelas estavam prestes a dobrar a esquina, seríamos pegos. Avancei para o elevador, mas Lyrium agarrou meu pulso e colocou um dedo na frente dos lábios, indicando silêncio. E a coisa mais louca aconteceu.

Os dois guardas altos de olhos castanhos dobraram a esquina, e continuaram andando e conversando como se não nos vissem ali. Conforme se aproximavam, prendi a respiração, até que nos ultrapassassem completamente. Assim que desapareceram na esquina seguinte, Lyrium soltou meu pulso, e só aí voltei a respirar. O poder dele era... esconder pessoas. Pessoas e ele mesmo, mascarar a aparência e reduzir a presença a quase nada. Fascinante. Mal pude me recuperar antes que o segundo elevador do corredor fosse ativado, mas dessa vez não para nos deixar entrar. Assim que as portas duplas de metal se abriram, Lyrium levou a mão para meu pulso mais uma vez, mas quem saiu de lá... eu não precisava me esconder dele.

Me soltei de seu aperto, e antes que me desse conta já estava em seus braços. Braços estes, que me apertaram tão forte, que eu soube que a necessidade era mútua. Seu cheiro invadiu minhas narinas, enterrei meus dedos no cabelo ruivo, trazendo ele mais para perto. Mais perto, eu precisava de mais. Não havia uma molécula de oxigênio entre nós, não existia espaço para isso. Suas mãos estavam por toda parte, conferindo checando, até chegarem no meu pulso.

— Aí!

Ele ficou paralisado, quando encarou o inchaço que agora estava roxo. E do tamanho de uma segunda cabeça.

— O que é isso?

— Depois vocês conversam, precisamos ir agora!

Me lembrei da presença de Lyrium apenas quando ele falou, o desespero nítido nas ondas de sua voz. Percebendo que não tinha tempo para discutir, Temrys concordou, e resolveu nosso problema inicial: sair dali sem sermos notados.

— Segurem em mim e não soltem em hipótese alguma.

Lyrium já entendeu o que aconteceria. Temrys me abraçou mais uma vez, Lyrium segurou firme no braço de Temrys, e então começou. A raposa sorrateira, que não só se transformava como também manipulava matéria. Claro que com a inteligência abundante, Tems não parou ali, não. Ele também se teletransportava. Meu querido Temrys moldou o chão à sua vontade, e ele se abriu para nós. Apertei bem os olhos, conforme sentia o mundo ser feito e desfeito ao meu redor, de acordo com o que meu laço queria. Meu laço, aquilo era tão bom de dizer...

Magia proibidaOnde histórias criam vida. Descubra agora