Vinte e cinco

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Os raios dourados do sol ultrapassavam o vidro das janelas do quarto, banhando o rosto de Temrys em um mar dourado de beleza pura. Ele parecia a personificação da perfeição, tudo milimetricamente calculado para ser lindo. Seus pais deviam ser muito bonitos, para gerar uma criatura tão maravilhosa quanto ele. Acabei soltando um suspiro, pensando que nunca jamais me cansaria de olhar pra ele enquanto dormia.

— Você é esquisita.

Dei um pulo quando ele disse isso, arrancando algumas risadas sonolentas de seu corpo. Quando Temrys abriu os olhos, estavam mais claros que o normal. Provavelmente era o sol refletido neles, mas por alguns instantes... pensei que suas íris estivessem cor de rosa. Ele esticou os braços em minha direção, e me abraçou. Me aconcheguei contra seu corpo, sentindo cada pedaço de nós se encaixar um no outro.

— Estou preocupada. — Admiti.

— Com o que acontece depois que ganharmos? Enolan não é?

Como ele conseguia me ler tão bem? Talvez fosse o laço sussurrando o que dizer pra ele, mas Temrys sempre sabia o que acontecia na minha cabeça.

— E se meus pais quiserem executar ele?

Temrys suspirou. Um pedaço do meu coração doeu, quando me lembrei o quão difícil era pra ele também. Minha mãe odiava Enolan pelas mentiras, afinal a dor que sentia foi por ter se separado do meu pai, não necessariamente por Enolan. Mas Temrys... ele foi torturado enquanto tentava aliviar a dor da minha mãe. Ele sofreu muito mais do que eu poderia imaginar, e ainda assim... tentava entender.

— Não vou mentir pra você, pensando friamente... ele merece. Pelos crimes, a lei... pode não parecer pra você, mas ela funciona. Mas se for pra ser justo... sua mãe teria que pagar igual.

— Ela matou mais Mitchas na vida humana que Enolan.

Temrys soltou uma risada seca. Seus dedos faziam círculos preguiçosos nos meus braços, como um movimento automático do corpo.

— Enolan mandou matar muita gente. Ele conduziu diversas tropas que destruíram muitas coisas. Mas ele via o geral. Não foi culpa dele a rivalidade entre humanos e Mitchas, isso sempre existiu. O que quero dizer é...

Ele parou por um tempo, retomando o fôlego. Pareceu refletir um pouco antes de continuar.

— Ele é só uma pessoa muito ferida. Uma pessoa ferida que não teve ninguém por muito tempo. Ele foi ensinado a agir com violência, o que esperavam em troca?

Temrys era mais que uma alma gentil. Era um Mitcha compreensivo e inteligente, e se Enolan poderia ter qualquer chance que fosse de viver... seria graças as palavras de Temrys. Parece que a vida do Mitcha mais poderoso do mundo estava em suas mãos.

Quando conseguimos rolar pra fora da cama, meu laço me arrastou para a arena. Mas dessa vez, não treinamos nosso corpo com bastões e suor pingando. Foram os poderes. Meus pais estavam posicionados no centro da arena, usando luvas prateadas que refletiam o sol especialmente quente daquela manhã. Quando chegamos perto, meu pai explicou:

— Velorn e Enolan viraram a noite desenvolvendo essas luvas. Vão nos ajudar na conexão, tornando mais prático e rápido para direcionar também.

Minha mãe nos estendeu dois pares de luvas, uma pequena pra mim, e uma... simplesmente enorme para Temrys. Ele deslizou as mãos para dentro, e com aquele simples movimento, milhões de lembranças me vieram à mente. Meu pai pigarreou.

— Vamos nos concentrar.

Ele podia ler minha mente? Senti minhas bochechas queimarem. Mas não deu tempo pra pensar muito nisso, porque Velorn e Enolan chegaram logo em seguida. Juntos.

— Não fazemos ideia de como vão reagir a isso. — Velorn começou. — Por isso vão começar devagar.

Enolan lançou um pequeno feitiço de proteção, que impedia qualquer coisa mágica de sair da arena.

— Dianna, coloca a mão atrás da mão de Temrys.

Obedeci as ordens de Velorn, fazendo o exato contrário do que havia feito no momento em que liberei poder contra os mortos. Ao seu sinal, começamos a exalar magia, fluidamente com os dedos entrelaçados, as cores no ar dançantes como fogos livres e selvagens, só que mais poderosos. Era lindo, e a sensação... eu me derretia nele, e me solidificava ao mesmo tempo. Uma linha tênue entre a lucidez e a completa loucura, um estado de completa entrega e conexão, como...

— Está bem. Nossa teoria estava certa.

Velorn e Enolan trocaram um olhar, e pareceram tão empolgados naquele momento, que quase explodi de emoção. Estava tão orgulhosa de ver os dois tão sorridentes, que mal prestei atenção na explicação que Enolan começou a dar.

— O mais forte fica com a mão atrás, assim impulsiona o poder para o menos forte controlar. Como está acostumado com menos poder acaba tendo mais controle, e assim tudo se equilibra.

Os olhos violeta de Velorn brilharam debaixo do sol escaldante, quase tão iluminados quando os de Enolan enquanto o encarava. Meus pais seguiram as instruções de Velorn para se encaixar, meu pai entrelaçando as mãos já com as luvas por trás das de minha mãe. Eu nunca tinha visto nada tão lindo. A magia deles, era conectada em uma totalidade absurda, o rosa e o roxo formavam ondas finas e totalmente envoltas uma com a outra, era lindo. Os olhos de Temrys brilharam diante daquilo. Será que conseguiríamos algo assim algum dia?

— Pelo visto a experiência e o tempo de laço ajuda na conexão.

Enolan murmurou, como se fizesse uma nota mental para anotar depois. Meus pais estavam com os rostos iluminados, radiantes com sorrisos escancarados um para o outro. Acho que nunca tinha visto eles assim. O estresse, a culpa, eram fardos pesados demais. Eles sempre fingiam aquela postura rígida de poder, nunca sorriam em público. Eram ainda mais lindos daquela forma.

— Bom... temos muito trabalho pela frente.— Enolan bateu palmilhas, e assim a barreira de magia desabou. — Vou desafia-los.

Todos menos Velorn e Enolan estavam de sobrancelhas franzidas. Até que meus tios começaram a vestir as luvas de prata, com um sorriso cúmplice no rosto.

— Vão ter uma luta digna com um oponente a altura.

Eles se encararam por um momento antes que Enolan completasse a fala de Velorn.

— Não somos laço, mas temos experiência o suficiente pra conseguir nos encaixar por um tempinho.

As luvas eram pra isso. O sorriso dos meus tios aumentou quando notaram que eu percebi... eles lutariam conosco. A mão de Enolan se encaixou atrás da mão estendida de Velorn, e ali estava: a formação mais poderosa de todo o mundo.

Magia proibidaOnde histórias criam vida. Descubra agora