Nove

25 1 5
                                    

— Isso é loucura!

Eu não entendia o que Temrys tinha por sussurro, mas certamente seu conceito era diferente do meu. Suas advertências em sussurros eram tão altas, que eu podia escutar do outro lado da imensa casa, e podia apostar que Hyella também.

— E por que? Você sabia que uma hora isso ia acontecer.

Suas sobrancelhas se curvaram, e ele começou a adotar um ar mais sério do que eu estava acostumada.

— Por que você acha que ele não saiu quando teve chance? Isso me cheira mal Dianna, algo não está certo aí. Não podemos confiar cegamente neles...

Apertei as mãos com força conta a pequena mesa do quarto, tentando conter a raiva.

— E em quem devo confiar? Se meus pais mentiram pra mim a vida toda? Pra nós!

Aquilo pareceu atingir algo fundo nele. Seus olhos, antes tão enfurecidos se suavizaram. Eu sabia que a amizade dele e da minha mãe significava muito para ambos. E exatamente por isso que doía demais ve-lo daquela forma. Machucado pelas mentiras da melhor amiga. Seus braços caíram inertes ao lado do corpo, a cabeça pendeu para baixo. Meu coração se apertou diante daquilo. Me aproximei devagar, e passei meus braços ao redor de sua cintura. Não esperei que me abraçasse de volta, era ele quem precisava.

— Não estou te pedindo para aceitá-lo ou perdoar tudo o que ele fez. Só esteja ao meu lado. Eu preciso saber o lado dele, e se Enolan pode me oferecer poder... — a lembrança forte da última sensação de poder que tive invadiu minha mente. A força, a plenitude da sensação... era viciante. — então vou aceitar.

Temrys suspirou, e apoiando as mãos em meus ombros, me afastou devagar. Seus olhos agora me prendiam, com a intensidade que eu já conhecia bem.

— Vou te seguir por onde for Dianna. Só tome cuidado no caminho. É você quem escolhe.

Senti minha barriga congelar de emoção e alívio, um misto de felicidade. Por um momento, quando Temrys me arrastou até o quarto enquanto sussurrava maldições em voz baixa, pensei que teria que escolher. Entre meu laço e minha curiosidade, eu não fazia ideia do que fazer. Mas então esse belo Mitcha resolve se mostrar compreensivo novamente, afastando minhas preocupações gerais. Continuei agarrada a ele, com medo de soltar e perdê-lo em meu próprio egoísmo.

Hyella falou algo sobre treino para mim, que me prepararia para tirar meu tio do meu corpo. Isso, claro, era magia proibida, então seria muito fácil de dar errado, ou virar uma catástrofe. Mas eu tinha meu querido esquadrão de escudos, que garantiria que independente da explosão de poder, não atingiria ninguém além de mim mesma. Temrys só concordou, porque eu ainda era humana, e o máximo que poderia acontecer, era eu morrer e me tornar Mitcha um ou dois dias depois.

Vesti um uniforme de malha leve, diferente do de couro real, permitia mais movimentos e era mais fresco. Temrys também o vestiu, revelando mais coisas do que eu normalmente via, por causa da forma como aquele abençoado tecido se agarrava ao corpo. Caminhamos lado a lado sem nos encostar, o que era estranho, porque eu sentia que podia trocá-lo só com o pensamento. O laço fazia isso? Eu tentei.

Estiquei minha consciência com concentração, como uma mão invisível de energia na direção de suas costas. Temrys pulou de susto, e se virou para trás de uma vez. Mas eu estava tão assustada e impressionada com o acontecimento, que esqueci de avisar que tinha sido eu. Mas tinha sido? Poderia ser uma brisa mágica ou até mesmo um arrepio estranho que ele não esperava. Eu podia mesmo tocar seu corpo sem as mãos?

— Chegaram.

Hyella saiu de um dos cômodos do corredor longo, e estendeu a mão para que entrássemos. Meu queixo caiu. Era um pouco menor que a arena do reino, mas tão grande que era impossível que estivesse lá por algo além de magia. Como o resto da casa, era refinado e de muito bom gosto, decorado quase como um teatro, e não um local de treino. Nas paredes haviam suportes para armas, algumas prateleiras com livros de feitiços e bebedouros com toalhas perto. Corri os dedos pelas brochuras, constatando o que eu imaginava: a maioria dos livros falava sobre magia Proibida.

— Pensei que magia proibida não podia ser escrita.

Hyella levou os olhos para onde meu dedo estava, e deu um sorriso suave como todos os seus costumavam ser.

— E não pode. Eu escrevi todos estes.

Tentei não parecer impressionada, mas... eram mais de cem livros! Certo, ela tinha mais de um século de vida, mas havia tanta coisa assim pra dizer sobre magia proibida?

— Fique no centro.

Era uma ordem. E eu obedeci. Consegui ver através dos olhos de Temrys, que ele se segurava para não rugir de raiva. Mas era por uma boa causa. Me posicionei no centro da enorme sala circular, esperando pelas próximas instruções. Lyrium e Cadium entraram no salão, e formaram um círculo com Hyella, a uma distância segura de mim.

— Temrys... — Hyella chamou. — Pode nos ajudar?

Levantei o olhar para ele, usando minhas habilidades persuasivas para convencê-lo silenciosamente. Aquele olhar que eu fazia para que Velorn e Kennan não se esquecessem de me trazer chocolates de suas viagens. O olhar que eu fazia quando precisava que Amstryn me contasse detalhes das missões, ou quando era mais nova e insistia para tia Gretta contar mais uma história antes de dormir. Esse olhar fez Temrys ceder.

E então tudo começou.

Um a um, os Mitchas ao meu redor abriram suas mãos espalmadas, deixando que magia fluísse o suficiente para formar uma película fina protetora ao meu redor. Era dourada, como os olhos de Hyella e Cadium.

— Dianna, precisa escutar ele. Com cuidado e atenção.

Não precisei perguntar quem era "ele". Um vento forte de magia começou a girar ao meu redor, como um furacão.

Olá menina.

Meu coração acelerou. Fechei as mãos firmes ao lado do corpo, era agora. Eu tomaria a decisão, libertar meu tio, para o bem ou para o mal. O cento se intensificou, senti que meus pés poderiam deixar o chão a qualquer momento.

Preciso que relaxe, e incline a cabeça para frente.

Eu obedeci. Mesmo sentindo cada músculo do meu corpo lutar contra, fiz exatamente o que meu tio pediu, ficando à mercê de seu poder. Mas se ele podia controlar ataques de dentro do meu corpo, também poderia facilmente se soltar sem minha permissão. Eu ainda não sabia a necessidade de tudo aquilo, mas descobriria.

Senti uma dor aguda na nuca, como se minha pele se abrisse, dilacerando músculos e tendões. Meu grudo de dor cortou o ar, não só ele como a lufada de poder que me rodeava, chicoteou o escuro mágico e voltou mais calmo. Meu corpo se enfraqueceu, meus joelhos já não eram capazes de me sustentar de pé. Me senti pendendo, pouco a pouco até...

Eu não encontrei o chão. Ao invés disso, fui segurada por braços fortes e familiares, cujo o dono também tinha uma voz mais que familiar.

— Muito prazer menina.

A voz da minha cabeça.

Magia proibidaOnde histórias criam vida. Descubra agora