Compreensivo. Meu Temrys era a criatura mais compreensiva e paciente do mundo. Ele me seguiu por todo lado, deixou de lado tudo no que acreditava e me deixou decidir sem questionar. Além disso, permaneceu sozinho por anos até encontrar seu laço, e mesmo depois disso decidiu esperar.
— Nada precisa mudar entre nós. Sei que tem outras coisas na cabeça agora, por isso acho melhor não avançarmos muito.
Afundei no colchão macio ao seu lado, sentindo aos poucos a timidez sumindo graças a como aquele Mitcha conseguia me deixar relaxada. Tems correu um dedo pela minha coxa, preguiçosamente, fazendo todo o resto do meu corpo tremer.
— Quando acontecer, quero que não tenha mais nada na cabeça além do meu nome.
Um lampejo de dentes afiados, e então um beijo carinhoso na testa. Pude jurar que meu coração se derreteu e se refez com a rapidez das batidas. Honrando sua promessa, Temrys passou os braços ao meu redor e me encaixou em si, não mudando muito em relação às outras posições que normalmente adotávamos. Não precisou ser complicado, como os livros de romances costumavam fazer parecer. Foi simples e leve, como o fluxo de um rio, que fluía naturalmente por quilômetros. Era bom demais amar.
Dormimos profundamente por horas. Quando acordei, Temrys já havia tomado banho, percebi pelo cabelo molhado que caia no colchão com fluidez. Abri os olhos devagar, e não consegui evitar que um sorriso se formasse quando percebi que ele me encarava. A quanto tempo? Esperava não ter roncado. Dei um pulo e corri para o banheiro, ansiosa para tirar o cheiro de sono de mim. Mais um dia começava, e não só trazia mudanças na minha rotina como também em conta conhecimentos. Eu não via a hora de aprender mais sobre meu tio.
Depois de um banho quente e roupas limpas, — que de alguma forma serviam perfeitamente em mim— fui com Temrys até o salão de refeições, que Cadium havia indicado com a cabeça um dia atrás. Assim como o resto da casa, era um ambiente claro e espaçoso, refinado e elegante. Havia uma única longa mesa de mármore no centro, com incontáveis cadeiras brancas repletas de detalhes em dourado ao redor, um lustre no teto. Mas ele não estava ligado, enormes janelas na lateral permitiam a entrada de luz os raios do sol pareciam vindos de outro mundo. Escolhi uma cadeira qualquer, e Temrys me seguiu. Nossos pratos se encheram magicamente com alimento, como normalmente acontecia em jantares especiais no castelo.
— Dormiram bem?
Hyella apareceu em um vestido branco cintilante, com um tecido delicado que acabava na metade de suas coxas. Era como um raio de luz ambulante.
— Sim. — Concordei animada.
Mas toda a animação se desfez quando percebi o olhar tenso no rosto da garota. Claro, depois das distrações na noite anterior, quase me esqueci do motivo por trás de eu estar ali. E por que não, perguntar sobre isso no meio de uma bela refeição mágica como aquela?
— Me conte sobre ele.
Fingi não notar quando Temrys apertou o garfo nas mãos, enquanto Hyella se sentava bem na minha frente. Seu prato se encheu de comida, e alguns segundos depois Cadium e Lyrium chegaram. A garota respirou fundo, como se para reviver memórias antigas e dolorosas. E então começou.
— Eu era uma bruxa, os humanos chamavam magos mulheres assim. Mas como era muito nova, ainda não sabia fazer muitos feitiços. Sempre admirei o príncipe Enolan, e achava linda a forma como ele e Darknid se pareciam. Com meus catorze anos, me tornei fanática por aqueles olhos rosa tão raros, aquela pose imponente mesmo que ele não se esforçasse para isso. Teve um dia, em que eu o segui. Decorei seus horários e percebi que ele tinha se atrasado para um compromisso, então o encontrei saindo das portas dos fundos do castelo. Mantive uma distância segura, o suficiente para não ser notada, me enfiando entre os camponeses e me escondendo atrás de esquinas. Até... eu ver a rainha. Ela estava seguindo ele também.
Eu sabia que ela havia mandado o matar, só não sabia que tinha sido ela. O ódio e a inveja foram tão fortes, que a cegaram a tal ponto? Afinal, o que Enolan havia feito de tão errado?
— Ele caminhou até entrar na floresta, e depois até estar afastado o suficiente para que ninguém escutasse os gritos.
Estremeci. O quanto poderia doer ser queimado vivo? Além disso, ele já havia sofrido outra morte além daquela. Teria sido tão terrível quanto? Ou até pior? Eu guardaria minhas perguntas para ele. Mas por hora, o máximo que podia fazer era escutar os relatos de Hyella, que havia vivido tudo.
— Eu assisti tudo. Quando ele chegou no ponto de encontro, pareceu confuso. Então sem aviso, a rainha conjurou chamas negras, mirando nele. Foi tão rápido, que ele nem teve tempo de reagir. Não era fogo, era algo sombrio, derivado das sombras perversas que aquela mulher carregava por aí. Era mais forte, queimava mais. Ela queimou ele, e nem piscou diante dos gritos, dá dor... ele mal conseguia respirar. Fiquei tão paralisada, que quando a rainha se aproximou para recolher o corpo carbonizado, demorei para agir.
Hyella suspirou. Fazendo uma pequena pausa para evitar lágrimas que ameaçavam fugir, ela respirou fundo algumas vezes. Lyrium, que estava sentado ao seu lado, estendeu a mão para suas costas, e acariciou gentilmente enquanto ela se acalmava.
— Mas quando acordei do transe, lancei uma ilusão sobre ela. Eu conseguia ver o peito dele subindo e descendo, ele resistindo apesar das roupas coladas no corpo que era carne-viva. Mas o que ela viu... foi só pó e ossos. Naquele dia levei ele para minha casa e o curei. Levou tempo, mas em alguns meses ele parecia intacto de novo.
A pior parte parecia ter passado. Ela piscou por um segundo, desviando o olhar turvo e cheio de memórias, voltando ao presente, para nós.
— Ele me ensinou tudo o que sei. Sem estudar oi ler livros, Enolan enxergava a magia como ninguém mais. Ele me fez puxar a parte Mitcha de mim mesma, e só assim me tornei uma híbrida.
Senti a desconfiança crescer no olhar de Temrys, seus olhos se semicerrando para a moça. Sua voz se ergueu, ecos de uma experiência antiga pela casa.
— Por que exatamente nos contou isso Hyella?
Um sorriso suave se iniciou em seus lábios carnudos e rosados.
— Só ele pode te fortalecer como precisa, Dianna.
Escute a moça menina.
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Magia proibida
FantasyDepois de tantas confusões, Darknid decide que contar a verdade para a filha é a melhor opção. Ele só não imaginava a montanha de problemas que atrairia depois daquilo.