Catorze

27 3 9
                                    

Me maravilhei com cada detalhe em cores que vi, tons não perceptíveis para olhos humanos. Estava tão concentrada, que me custou alguns segundos até que eu finalmente erguesse a ponta dos dedos para minha cabeça, para meu novo chifre. Retirei a mão o mais rápido que pude, depois que percebi que eram... sensíveis. Alonguei os braços e pernas, dormentes como se tivessem ficado inativos por dias, o tempo era diferente dentro de mim, então era difícil saber quanto tempo de fato havia levado aquilo tudo. Eu me sentia poderosa, até respirar se tornou uma tarefa mais simples. Depois disso... ergui os olhos.

Eu não estava pronta para aquilo. Aquele olhar penetrante em minha direção, a cor vívida é nítida como nunca antes... Temrys parecia ter passado por um amplificador de beleza. Seu poder ainda me rodeava, senti meu corpo se encher de brasas por ele, tão ardentes como o vermelho puro de seu cabelo, o brilho dos seus olhos. Como alguém podia ser tão lindo em tantos níveis daquela forma?

— Como se sente?

A voz grave do meu tio cortou meus pensamentos cirurgicamente, me fazendo voltar para a realidade, me tirando do transe que a beleza de Tems havia colocado.

— Bem... incrivelmente bem. E poderosa.

Era estranho dizer aquilo em voz alta. Pra uma garota que havia se sentido inútil pela maior parte da vida, era estranho sentir aquilo. Mas era verdade. Meu tio sorriu. Hyella e os outros pareciam aliviados, e Temrys não conseguia tirar os olhos de mim.

— Bom, precisamos agir o mais rápido possível agora. A onda de poder que você liberou Dianna, com certeza foi sentida por todo mundo. É uma questão de tempo até conseguirem te localizar.

O poder de Temrys recuou, voltando para dentro de seu corpo, já que o trabalho estava completo. Imediatamente me senti fria, como se a presença morna da sua magia compensasse a frieza do meu corpo solitário. Suspirei baixinho, tentando disfarçar a decepção. Mas pelos olhos travessos de Temrys, eu soube que ele havia percebido.

— Então vamos procurar outro lugar para ficar. Pelo menos até eu pensar em como vamos pedir ajuda para o rei e a rainha.

Eles começaram a sair da sala, mas eu fiquei, com sobrancelhas franzidas.

— Rainha?

Enolan congelou, se dando conta do que havia dito.

— Você estava desacordada... quando Hyella nos contou o que viu lá fora.

A moça concordou, e apoiou uma mão nas costas, cansada. Todos eles pareciam esgotados, acho que manter uma barreira mágica por tempos não era assim tão divertido e fácil quanto Enolan fazia prever. Quanto tempo eu havia ficado desacordada?

— O país... está dando uma festa em comemoração. Seu pai foi coroado, e sua mãe... é rainha agora.

Minha mente girava em loop, reproduzindo constantemente a mesma frase: o que havia acontecido com meu avô?

Eu estava ajeitando as três trocas de roupas que Hyella havia me emprestado, quando Temrys entrou pela porta. Ele se sentou ao meu lado no chão, e com a cabeça apoiada em uma mão, assistiu enquanto eu terminava a arrumação. Não pude evitar que um dos cantos dos meus lábios se erguesse, ter toda aquela atenção era muito bom.

— No que está pensando?

Fechei o zíper da mala emprestada e a empurrei para longe, antes de me virar completamente para meu Temrys. Meu. Corri os dedos pelas costas de sua mão, a que estava apoiada no chão ao meu lado.

— Isso é estranho. É quase como se fosse...

— Bom demais pra ser verdade? — Ele completou.

Concordei com a cabeça, ainda estranhando o peso dos chifres novos com a inclinação. Uma mecha negra do meu cabelo escapou, mas Temrys a ajeitou atrás da minha orelha. Sua mão não se abaixou, pelo contrário, começou a desenhar pequenos círculos invisíveis no meu rosto. Suas garras estavam retraídas, algo que um Mitcha não costumava fazer com muita frequência. Senti a pele áspera da ponta do seu dedo na minha bochecha, fechando os olhos para me concentrar na sensação. Senti quando ele se aproximou, vagarosamente, como uma raposa silenciosa e ágil. Minha raposa.

— Posso? — Ele sussurrou.

Com a voz rouca, quase implorando, eu disse que sim. Temrys abaixou a cabeça até mim, e encostou seus lábios nos meus.

Foi uma explosão.

Cada movimento, cada centímetro do meu corpo que se movia por pura naturalidade, parecia ensaiado por anos. Era como uma dança, cujos passos eu conhecia desde o ventre da minha mãe. Quantas vezes já não havia sonhado com esse beijo? Era muito mais do que imaginei. Não abri só minha boca, abri a alma e a mente para que Temrys entrasse. Não foi só um encontro de línguas e corpos, foi uma consolidação mais que desesperada de toda a recompensa que nos esperava, depois da espera interminável. Eu nem sabia que tinha buscado isso por toda a vida, até sentir as mãos firmes de Temrys se agarrando na minha cintura, me puxando para cima de si. Eu fui. E me encaixei tão bem nele, que era impossível não fazer barulho. Estávamos ofegantes, nos movimentando, desesperados por cada sensação nova que descobríamos a cada toque, cada arrepio, cada beijo...

— Dianna!

Uma voz alta me fez pular para longe de Temrys, acelerando ainda mais meu pulso. Hyella abriu a porta do quarto, e cobriu a boca com as mãos quando percebeu nossos rostos corados, os olhares vibrantes e... minha camiseta no chão. Como aquilo havia ido parar ali?

— E-eu só vim avisar que... não vamos mais partir amanhã. Enolan sentiu a presença de Laerte muito perto. Precisamos ir agora...

Ela não esperou nossa confirmação, apenas deu as coisas e fechou a porta, o mais rápido que pode. Mordi o lábio inferior para conter uma risada, mas foi impossível quando Temrys começou a gargalhar e se debater no chão.

— Você viu a cara dela?

Sufoquei as risadas altas com um travesseiro, evitando mais constrangimentos para a pobre Hyella, que devia estar ainda no corredor. E então lancei um olhar intenso para Temrys, sem mais nenhuma risada evidente.

— Acho que dá próxima vez vamos precisar trancar.

O sorriso faminto que ele me lançou... não foi nada gracioso também.

Magia proibidaOnde histórias criam vida. Descubra agora