Meu pai tinha escrito um poema antes de sairmos da casa, ele deixou no banheiro, por algum motivo. O li.
"A graciosidade das ondas está em como se separam,
mesmo estando juntas, quebram-se, montam.
me moldo tipo onda, ruindo e me soldando,
acabo por ter graciosidade tipo onda, separando e montando".
Eu não sei o que ele quer dizer com aquelas palavras e de novo, queria entender melhor meu pai. Não dei muita importância ás palavras também, era o meu último dia ali e eu queria aproveitar ao máximo.
Caminhei pela areia sem rumo, eu sabia que se andasse sempre para a frente daria em algum matagal ou, se decidisse virar à esquerda, iria até a ponte e se virar à direita iria até o começo da pista que leva diretamente ao aquário. Conheço o lugar, conheço tanto que brinco na minha cabeça de ir até um lugar e contar os passos para voltar, mas nunca me apressando muito. Eu andava devagar, respirando devagar e sentindo tudo se esvair de mim: todo o estresses e a pressão que sentia. Só escrever não bastava, eu precisava me isolar, eu precisava estar aqui. Porque aqui é onde eu faço tudo devagar e ninguém liga. Então paro de fazer tudo e simplesmente cambaleio para trás, sentindo o choque de um corpo — muito forte — contra o meu. Foi tão de repente que me recusei a abrir os olhos até ter certeza de que meus pés estavam firmes no chão como deveriam.
Quando decido abrir os olhos minha respiração já acelera.
Uau.
— Tudo bem com você? Foi mal.
Parado bem à frente está um garoto, aparentemente da minha idade, com fones de ouvido e shorts de malha fina. Sem camisa. O corpo dele está vermelho e a ponta do nariz também. Ele é lindo. Mais do que lindo.
— Tudo. Tudo bem. Foi só um esbarrão.
— Eu estava afundado em pensamentos. Me desculpa mesmo.
— Afundado em pensamentos?
O garoto cora visivelmente. Não é como eu imaginava alguém enrubescendo, ele não enrubesce assim do nada, ele tocou na bochecha e no nariz e quando sua mão largou aqueles pontos, estavam vermelhos. Acho que ele não percebe que faz isso. É bem fofo.
— É. Eu estava escutando música e me distraí. Acredite, eu não saio esbarrando por aí nos outros.
— As pessoas agradecem por essa gentileza. Está escutando... Ah, meu Deus, você está escutando Cody Simpson.
— Você gosta?
Na verdade não. Escutei uma música dele no aleatório do Spotfy hoje sem querer, mas é a mesma música.
— Gosto.
Sorrio para o desconhecido. Droga, eu queria saber o nome dele. Olho para onde ele estava indo. Se ele continuar nessa direção vai acabar chegando perto da nossa casa de praia e mais além para a estrada que dá aos prédios.
— Ah você... Eu vou deixar você continuar caminhando. Se bem que... Minha casa é naquela direção. Eu já deveria voltar.
— Quer me acompanhar correndo?
— Correndo, não. Eu sou um pouco sedentário... Podemos só andar? Andar... Bem devagar?
O estranho riu. A risada dele é fofa. Mas o corpo dele ia além de fofo. Não podia ficar olhando tanto tempo para ele, eu podia ficar excitado. Começamos a andar principalmente falando sobre músicas, ele gosta de músicas antigas mas escuta as atuais para correr. Ele mora num daqueles prédios chiques e tem dezenove anos, e pelo amor de Deus, ele gosta de correr sempre que pode.
— E você?
— Eu não sou interessante.
— Deve ser. Alguma coisa? Sei lá... Seu nome.
Isso me fez rir.
— O que foi?
— Meu nome... Certo. Você vai rir. Meu nome é After.
O estranho parou na calçada e me olhou desconfiado. Depois ele riu, descrente,
— Não pode ser.
— Mas é. Meu nome é Alison Felipe Theodore Edgar Reis. As iniciais formam...
— After. Puta merda. — Ele riu.
— E o seu? Ainda não me disse.
— Ah, meu nome não é tão criativo quanto o seu. Adriano, é um prazer, After.
Apertamos as mãos. A mão dele é grande e seus dedos podem facilmente chegar até às veias do meu pulso. Mais de perto é fácil notar os pelos dele em tom dourado pelo sol. Continuamos a andar falando e falando. Notei quantas vezes ele olhou para minha boca — oito — e quantas vezes se aproximou mais que o necessário — três — e quando paramos em frente a casa de praia dos meus pais eu disse que já estava no meu lugar.
— Bonito lugar. Seus pais estão aí?
— Não. Mas meu irmão está.
— Irmão? Que pena. Como você já me disse seu nome completo não acho que vai ser difícil achar você no Instagram?
— Sou o único After lá.
Adriano sorriu e exibiu as covinhas que eu já notei que tinha. Ele deu um passo para trás, recolocando os fones no ouvido e disse antes de ir embora:
— Até depois, Depois.
***
Sei que não deveria olhar o celular quando estou na casa de praia, eu evito ao máximo, mas agora é um caso especial.
Eu precisava achar aquele garoto. Bom, não funcionou. Adriano é um nome comum, ele não foi idiota como eu em dar o nome completo. Passei duas horas inteiras procurando ele no Instagram, cheguei a apelar para o Facebook, mas não o achei.
Deixei o celular de lado, ele não estava me ajudando em nada mesmo. Não acredito que Joyce não me mandou nenhuma mensagem ou que Enzo não tenha mandado alguma fofoca no nosso grupo. Eles fazem isso sempre!
Ao contrário de mim, Breno nunca larga o celular e neste momento entrou à sala com ele nas mãos, sorrindo como um bobo. Um bobo apaixonado.
— Odeio você. — Murmuro.
— O quê?
— Nada. Porque você não saiu? Viemos à praia por um motivo e você só entrou no mar duas vezes. Três se a gente for contar a vez em que você foi lavar os pés.
Breno se joga no sofá ao meu lado. Seu cotovelo acerta minhas costelas e eu o empurro para longe.
— Não preciso sair tanto assim. Eu nem gosto tanto de praia.
— Você só pode ter algum problema. Você poderia ter ficado em casa sozinho.
— Porque eu... Porra. Porque não me deu essa ideia antes?
— Não sou eu que tem namorada.
Breno se arma de uma almofada e mira no meu rosto. Pego outra e me preparo para jogar no rosto dele também. Infelizmente nossos pais chegam antes que uma guerra de almofadas possa acontecer. Eles estão sorrindo e com marquinhas de sol no rosto.
— Larguem as almofadas! — Mamãe grita.
Quando o sol já estava se pondo, mamãe fez chocolate de colher e nos sentamos no alpendre para assistirmos ao sol indo embora, sempre fazemos isso porque minha mãe gosta, isso lhe dá inspiração para novas xícaras. E meu pai gosta porque minha mãe gosta. Desconfio que Breno goste mais do que admite; eu gosto porque respirando o vento salgado e sentindo a luz dourada ainda morna parece que sou melhor do que penso que sou.