VINTE E NOVE

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Sálvia mia para mim a me ver entrar. Ela está na minha cama. De novo.

— Eu também não gosto de você — digo e a tiro da minha cama.

Ao invés de ir embora, a gata fica me encarando o tempo todo. Fico nervoso com os olhos dela, verde intensos, não a expulsei do meu quarto, deixei que ficasse até ficar entediada de me olhar — o que demorou bons minutos.

Domingo era dia de risadas logo cedo. Meu pai acordava primeiro já que é — era — ele quem fazia as refeições. Ele gostava de inovar no domingo, principalmente no café da manhã, logo depois de termos chegados a casa de praia e tomado banho, Breno e eu já tínhamos dado os mortais da sorte, minha mãe já tinha organizado as tintas dela em um canto e eu já tinha deixado que meus pulmões se inflassem de ar salgado. Sinto saudades. Sinto tanta saudades que tenho medo de sonhar com esses momentos e acabar chorando quando acordar e perceber, era só meu subconsciente brincando comigo.

Agora os dias não estavam mais organizados. Segunda à sexta, eu faltei aula. Sábado, eu não fui à praia. Domingo, sem risadas. Havia a peça chave faltando, eu não era capaz de acreditar, pelo menos não hoje, que o mundo daria certo sem eles aqui.

Enquanto a manhã se desenrolava eu fiquei na cama. Breno apareceu duas vezes. A primeira vez para contar que tia Helena ligou e disse que estava tudo certo para ela se mudar para cá daqui a cinco dias. A segunda vez que veio ao meu quarto eram onze horas, eu estava quase pegando no sono, Breno contou que conseguiu um emprego.

Fiquei feliz por ele, de verdade, mas não me levantei para abraça-lo. Eu deixei que o lençol de uma tonelada me pegasse. Disse a ele que isso era uma boa noticia e ele saiu, acho que esperava mais de mim do que isso. Não quis me dar tempo para me sentir mal, havia uma névoa na minha frente e era densa. Algo dentro de mim disse que, se eu quisesse me livrar dela e do cansaço que trazia, eu teria que dormir logo. Por isso decidi ir pegar mais um comprimido na cartela que estava escondida na gaveta. Resolvi pesquisar brevemente sobre os remédios para dormir em geral. Li sobre os efeitos colaterais, sobre a dependência.

Não demorei mais que um minuto lendo sobre isso. Me deixei ser um leitor leigo, as palavras só iam, se misturavam-se na minha frente. Eu não fazia ideia do que estava lendo até me deparar com o caso de uma mulher chamada Mairead Costigan, que tomou remédios para dormir e depois, sonambula, pulou de uma ponte. A história dela me assustou; em controvérsia, decidi tomar apenas um comprimido e não dois, como pensei inicialmente. Acho que é um avanço, eu só precisava descansar mais um pouco.

***

Dormi quinze horas seguidas. Acordei às duas da madrugada um pouco desorientado, acho que peguei no sono muito rápido porque esqueci de guardar a cartela com os remédios de volta na gaveta. Acho que Breno decidiu não entrar mais aqui depois que não fui totalmente altruísta. Levantei-me com esforço e fui à cozinha. Comi e depois coloquei um pouco mais de ração para a gata, por mais que eu saiba que ela deve estar no quarto com Breno. Ela anda muito por lá quando não está tentando me irritar ficando na minha cama e a enchendo de pelos.

Não quis ficar na sala e ligar a televisão, eu poderia acordar Breno.

Fui para meu quarto e como o sono desapareceu por um momento, liguei o computador e procurei meu celular entre o lençol. Quando o achei vi o tanto de notificações ali e fiquei um pouco surpreso. Em geral, eu esperava que as pessoas não quisessem falar comigo. Mas Dan falou, Enzo também, Maria e...

Arregalo os olhos por tanto tempo que dói, tenho que piscar demoradamente. É uma mensagem de B. depois de quase um mês completo sem me responder. Sei que mandei aquela mensagem para ele, só que estava esperando que ele decidisse me ignorar de novo. Fico receoso de entrar na conversa. Deletei minhas publicações há um tempo, não tenho mais coragem de escrever lá. Mas a conversa com ele é diferente, de certo modo. Eu queria. Ainda queria conversar com ele.

Tento conter minha ansiedade, mas é como tentar colocar algo gigante em um espaço minúsculo.

"Espero que você não esteja me odiando"

"Não estou" — Segurei essa resposta por dez minutos antes de digitar de uma vez e ironicamente, não fazer o que ele disse para eu fazer, que é pensar duas vezes.

Tento preencher meu tempo jogando mas a cada cinco minutos eu ficava olhando para saber se ele tinha mandando mais uma mensagem.

Não mandou. 

Agora ou Nunca (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora